Caía uma chuva fina quando uma jovem senhora chegava em casa carregando suas compras do supermercado. Já perto de casa, na subida do morro, por conta do peso e da água, a sacola se rasga, e os produtos se espalham pelo chão. Vendo a cena, um rapaz moreno, não muito alto, mas bonito e sensual, se prontifica a ajudá-la cheio de segundas intenções. Calma... ele não estava de olho na senhora e sim em uma de suas três filhas, para ser mais exato, a filha mais velha.
Gentilmente, ajuda àquela senhora a recolher o que estava no chão e a acompanha até em casa, um pouco na esperança de conhecer a moça. Infelizmente, ela não estava. O encontro fora adiado por alguns dias.
Dias depois, o mesmo rapaz estava em um bar, quando a moça passou voltando da escola. Ele a acompanha até em casa, sem que ela soubesse, na surdina. Percebendo que alguém a estava “seguindo”, ela apressa o passo, pensando não se sabe bem, se fugia ou despistava o acompanhante. Ele percebeu o que estava acontecendo e se apresenta:
- Oi, eu sou o rapaz que ajudou a sua mãe essa semana!
-Hã?
-Sua mãe, com as compras.
-Ah...oi.
Pronto!
Foi o suficiente.
Era meados de 79 e Pedro passou a freqüentar quase que diariamente a casa da família, tentando, digamos... estreitar os laços. E ela, Cecília, mais conhecida pela família e amigos como Cecí, já tinha um namorado.
Pedro era tímido... não conseguia se aproximar, ou falar o que queria com ela. Ela percebia, mas fazia aquele ar “não-tô-sabendo-de-nada”.
Quando seu antigo namoro acabou, e uma chance apareceu, Pedro começou a se despedir da menina de maneira um pouco mais íntima: três beijinhos bem no cantinho na boca. Ah, se ela não desvia...!
Mas um dia, não se sabe se tomada por torcicolo que não permitia a movimentação da cabeça, ela não se esquiva, e o beijo tão esperado por aquele rapaz, acaba por acertar o alvo.
-Tchau.
-Tchau?
“Como assim?”, ela pensa. “Eu deixo ele me beijar e só isso? Tchau?”. Antes de terminar o pensamento da frase ele voltou, a agarrou e...mmmmmmuuuuuuaaaaaaaccccc!
Logo em seguida, a pergunta:
-Quem fala com a sua mãe, você ou eu?
E a resposta: -Hã???
Ansiedade!
Pois bem, Cecília e Pedro começaram a namorar, e se davam muito bem, a não ser pelos ciúmes da parte masculina da relação. Terminaram e voltaram exatamente duas mil, cento e cinqüenta três vezes, até que ele, resolveu abrir seus horizontes e diminuir a cobrança, forçada pelos ciúmes.
Resolveram se casar e há quem diga que na hora do pedido à família, ele tremia, engasgava e mexendo só a parte de cima da boca, como um coelho, sai a frase esperada:
“-Dona Maria, a senhora me concede a mão da sua filha em casamento?”.
Mas os dois eram doidos! Se casaram e foram morar em uma suíte em cima da casa da sogra de Pedro, mãe de Cecília, e ainda dividiam a cozinha que ficava na casa debaixo da suíte, com a sogra em questão e com a irmã recém casada, Eliza. Não obstante, seis meses depois eles engravidaram, e no final da gestação, nascia uma criança “doce, calma e tranqüila” chamada Juliana.
O tempo passa, o outro filho nasce, e a suíte fica apertada para os dois. Trocaram com a sogra: quem era de cima desceu, e quem era debaixo subiu.
Anos depois, a segunda mudança: o trabalho e a casa viravam a mesma coisa, e todos os quatro (mais a sogra), arrumaram a trouxa e foram lutar pela vida e pelo dia-a-dia em várias cidades no estado em que nasceram, e por fim, voltaram à casa do começo da história.
Nessas idas e vindas, muita coisa aconteceu: o dinheiro veio, o dinheiro foi, os filhos cresceram, a família também, institui-se a sexta feira como dia oficial do churrasco da família... Muitas crises, barras e pindaíbas, mas nunca, nunca no relacionamento dos dois.
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Carla Lemos é licenciada em Educação Física pela UFRuralRJ, mestranda em Antropologia Social pela UFF, bailarina autoditada em danças populares e dança de salão. Também é cronista, mas só escreve em anos bissextos.
2 comentários:
Anos bissextos? Não entendi. :S
Por que? [Eita!]
Beijos
Pois é.
Ele fez essa brincadeirinha com os anos bissexto, em referência à minha frequente escrita. Como eu quase nunca escrevo,os intervalos em que esses textos saem acabam sendo de quatro em quatro em anos.
Ou mais...
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