(in)contidos - O novo livro de Vinícius Fernandes da Silva do PSQC

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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Pequena história de mim mesmo




Sim, agora está claro, claro. Fui educado para obedecer. De certa forma todos somos. Mas por algumas posições e contextos da vida, somos direcionados para obedecer ou questionar. Desde minha tenra idade fui projetado para a primeira opção. Explico.

Meu ensino fundamental foi todo em escolas particulares, particulares e com filosofias militares e positivistas. Desde pequeno estudei em uma tradicional escola de Nova Iguaçu, minha cidade de nascimento, escola chamada Instituto Iguaçuano de Ensino. Esta escola foi fundada na década de 1940, por um casal de professores, tendo como doutrina a chamada "escola tradicional", de forte influência positivista e militar. Fui matriculado nesta escola por três razões: meu pai estudou um ano nesta escola; era considerada uma "boa" escola para disciplinar crianças e também pelo ensino; era acessível economicamente para a classe média baixa. 

Rapidamente me adaptei à escola, por alguns motivos. Sempre procurei ser querido pelos meus pais, e ser querido significava ser bom aluno e obediente. Além disso sempre me foi estimulada uma competitividade para que eu fosse o "primeiro lugar", o melhor aluno da escola. E durante muito tempo persegui essa meta, e alguns anos depois... consegui, me tornei o melhor aluno de toda a escola, com as melhores notas. Não acredita? Procure os arquivos e peça para ver meu histórico. Mas isto não era realmente nenhuma façanha. Descobri que a escola era fraca e que eu não era nenhum gênio. Quando saí de lá, minhas notas também mudaram, obviamente.

O segundo, e talvez o mais importante motivo de minha adaptação, é que aprendi a obedecer. Sim, eu tinha medo. O Iguaçuano, como é popularmente conhecido, tinha uma pedagogia do medo, onde os alunos morriam de pavor dos inspetores e do "corretivo", que era ficar depois da aula fazendo exercícios, tomando esporro, sem comer e com um belo carimbo vermelho em sua caderneta. Eu cagava de medo em tomar um "corretivo" na caderneta. Isto seria inaceitável para um aluno como eu, seria um fracasso, uma derrota. Os alunos também eram obrigados a usar cabelos curtos e os inspetores eram os encarregados de "checar" os cabelos na entrada, "cabelo grande, volta pra casa". Quem julgava isso? Oras, os inspetores. Uma vez tive meu cabelo puxado por um dos inspetores, cheguei em casa e reclamei, minha mãe não gostou muito, mas efetivamente, nada aconteceu. Criei até uma estratégia para não ter mais tanto medo: Virei amigo de um inspetor! Lembro de seu nome até hoje... Samuel! Samuel era uma cara legal, gostava dele. Obviamente que eu era odiado na escola. Era nerd, medroso e... pelego. No meu último ano no Iguaçuano eu tomei um... corretivo! Obviamente que fiquei horrorizado, meu mundo havia caído, alguns inspetores ficaram assustados ao me verem na sala do... corretivo. Mas algo também estava acontecendo... Eu não gostava mais daquele ambiente, não gostava dos inspetores (Samuel não trabalhava mais lá), não gostava dos professores, não gostava do ensino, não gostava da direção, e no fundo, no fundo... Adorei ter tomado aquele corretivo. Enfim, eu odiava aquela escola.

Ao mesmo tempo minha família sabia que eu era bom aluno e que tinha "potencial". Um parente mais velho e preocupado com meu futuro andara conversando com meus pais dizendo que eu precisava de uma escola melhor, que me desenvolvesse mais. Estava claro que esta escola seria necessariamente mais cara, e que meu pai teria que gastar uma boa grana para poder pagá-la. Ele não tinha muita grana, mas pagou. E além disso a tal escola dava descontos de acordo com o desempenho do aluno, então pagar menos mensalidade também seria uma responsabilidade minha. Tudo bem, eu me garantia... pelo menos achava. Não existiam muitas opções em Nova Iguaçu, mas na mesma época em que estava saindo do Iguaçuano, surgiu uma nova escola na cidade, uma escola com uma proposta pedagógica libertária... mas ela era muito muito cara e eu fui parar no Colégio Curso... Tamandaré! Sim, um curso preparatório e escola que tinha o nome de um herói nacional... o patrono da Marinha brasileira!  

O Tamandaré, como era chamado, era um curso preparatório que também formava para o antigo primeiro grau, e que tinha como grande meta preparar alunos para serem aprovados em concursos... militares. Sim, a grande honra para esse curso era que seus alunos passassem em boas colocações para o Colégio Naval, situado em Angra dos Reis, na costa verde do estado do Rio de Janeiro, e para os mais velhos a Escola Naval, sediada no centro da cidade do Rio. 

Minha adaptação ao Tamandaré não foi tão fácil, a competitividade estava presente e era altamente estimulada, mas os conteúdos e a exigência eram muito maiores. Não consegui me tornar o zero-hum, como sempre gostei de ser, o máximo que consegui foi ser o zero-dois da turma, mas isso já era o suficiente para que o valor das mensalidades já fosse amenizado. Em um bimestre em fiquei em décimo primeiro lugar, e obviamente que fui cobrado por isso. Em determinado momento sofri bullying durante o curso, o motivo eu nem me lembro, só sei que o segundo semestre foi infernal. Tinha poucos amigos e descobri algo terrível, terrível... eu não queria ser militar!

E porque eu não queria ser militar? Disso eu lembro até hoje. O Tamandaré promovia anualmente visitas ao Colégio Naval, em Angra, e em fui em uma dessas excursões no longínquo 1993. A viagem foi de ônibus e lembro que foi prazerosa. Mas quando cheguei e entrei na base militar, que na verdade era o colégio, algo me fez mal, muito mal. Naquele lugar, sem saber o por quê, senti o cheiro da morte, sério, de verdade. Ouvi histórias sobre os trotes, sobre a necessidade de se constituir como um jovem que sofreria violência gratuita e que teria que cometer violência gratuita para poder ser considerado um homem.  Posteriormente soube que jovens já haviam morrido na dependência do colégio, e que haviam suspeitas que talvez as mortes estivessem relacionadas aos trotes. Se não me engano já havia ocorrido suicídios. Aquele lugar seria a morte de meu espírito, da minha alma.

Avisei aos meus pais não queria ir para lá, que não queria ser militar. Lembro de um certo desapontamento, de uma certa decepção, mas eles aceitaram a minha decisão. Fiz a primeira fase da prova para o Colégio Naval no Maracanã (o de verdade, não esse falso e babilônico atual) nas arquibancadas de pedra, sem jeito, em uma prancheta que mal dava para apoiar a prova e o lápis. Fiz a prova para não passar. Não passei. Mas afinal, e agora, o que fazer? Então surgiu uma outra opção, uma opção que era quase uma vergonha para os diretores e alguns professores do Tamandaré, a opção se chamava CEFET - Centro Federal de Ensino Tecnológico Celso Suckow da Fonseca. Eu passei para o CEFET. Não me lembro a colocação, mas sei que não foi nada de excepcional. Tinha escolhido como primeira opção o curso de Eletrônica, mas fui aprovado para o curso de Construção Civil, mas não importava, o importante é que havia passado. E que lembrança... Lembro de meu avô Tuninho em casa, vibrando ao saber que meu nome estava no jornal e que eu estava aprovado. Todos nós comemoramos, eu, minha mãe e meu querido avô querido. O CEFET salvou minha vida.

Realizar a jornada urbana de Mesquita a São Cristóvão apresentou-me definitivamente à vida. Mostrou-me quem eu era. Viajar nos trens da Central do Brasil, pelo ramal de Japeri, mostrou a realidade de meus iguais, das pessoas que vivem na Baixada e que precisam se deslocar cotidianamente para ganhar a vida no Rio de Janeiro. Os trens da Central fizeram-me experimentar toda a penúria, o desrespeito, a ineficiência, o esquecimento do poder público em relação à forma pela qual os serviços públicos são oferecidos aos mais pobres. Ao mesmo tempo pude vivenciar que, apesar de tudo, ainda havia uma dignidade presente a quem só quer viver em paz, com os rostos cansados que batem com as cabeças nas janelas ou quase despencam dos bancos duros, dos homens e mulheres esquálidos e encardidos que carregam seus produtos pesados em suas costas, e ainda têm que fugir e serem roubados por seguranças de concessionárias que exploram este modal. Mas ainda havia um sorriso, os grupos de pagode, os jogadores de sueca, os maconheiros, os crentes, os surfistas, ainda havia o povo.

O CEFET também apresentou meus amigos da vida, pessoas que surgiram nas aventuras nas minhocas de metal e permaneceram, e permanecem até hoje, pessoas importantes em suas diferenças e semelhanças em relação a mim, que me ensinam a cada dia, que chamam a minha atenção, que me colocam no chão de vez em quando. Pessoas que se não existissem provavelmente me fariam ser uma outra pessoa e por enquanto gosto da pessoa que me tornei, apesar dos inúmeros defeitos.

E depois vieram as ciências sociais, a graduação, a UFRJ, as ideias de grandes pensadores mundiais, os trabalhos, os empregos, os colegas de trabalho, o mestrado, doutorado... Surge uma menina, que irá se transformar em namorada, noiva, esposa. Nasce um menino que se torna sobrinho, mas que no meu coração é filho. E entro nos "trinta", passo dos "trinta" e a vida segue seus passos velozes e imprevisíveis.

E olhando para esta pequena jornada, vejo que não há raiva ou grandes arrependimentos. Mágoas sempre existirão, mas as rugas no rosto sempre as amenizam. Não há raiva de minha antiga escola, apesar de seus erros, pois foi lá que foi forjado em mim a importância da disciplina e do medo. O medo é substância fundamental para que possamos nos manter vivos e sãos. Não há raiva pelo conservadorismo de meus pais, pois compreendo os medos e necessidades em se viver uma juventude pautada em uma ditadura, onde se expor ou expor uma opinião poderia ser a diferença entre a vida e a morte, ainda mais para pobres da Baixada Fluminense e sem "sobrenomes" importantes. Compreendo a proteção exacerbada ao sempre se dizer que expor uma opinião, ainda mais se ela for contra o senso comum generalizado, sempre será perigoso e contraproducente. Compreendo e agradeço por me formarem uma pessoa que possui um senso de justiça e ética. Compreendo... mas não me rendo mais a esse medo de se expor, de se colocar.

As pequenas conquistas de minha vida me permitem agora subverter o medo de minha mãe, que sempre diz que "é melhor um covarde vivo do que um corajoso morto". Não. Não! O covarde já está morto, já vive morto. Vive uma morte-vida contínua. Coragem não significa violência. Coragem significa não se render, não se conformar. E eu digo: eu não me conformo mais! Não me conformo com o país em que vivo. Não me conformo com o Estado que temos. Não me conformo com a polícia que temos. Não me conformo com a educação pública que temos... ou não temos. E essa não conformidade revela-se na afirmação de que desobedeço. Que desobedecerei caso seja necessário, caso isso leve a uma injustiça ou imoralidade, mesmo que uma legalidade seja afirmada. Por isso meu futuro talvez seja a cadeia, assim como um Thoreau solitário, mas se eu for preso em algum momento, saibam que foi por algo em que acredito ser piamente justo, justo para mim, para os outros, para todos. Desobedecerei todas as vezes que achar necessário. Gritarei todas as vozes de minha garganta, em todas as ruas que puder andar, caminhar, correr. Bradarei aos meus fantasmas do passado que rompi a prisão de culpas e medos e que agora desobedecerei, e que nem a morte vai me assustar, porque nascemos para morrer.

Digo que fui educado para obedecer.
Que cresci para me libertar.
E que morrerei se não puder gritar.

Porque todo covarde vivo, jaz uma vida à toa. 
E posso ser tudo, ter todos os erros e ser acusado de todos os crimes.
Mas espero que a covardia nunca esteja no rol
Das minhas lembranças.

Desobedeçam!



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domingo, 1 de dezembro de 2013

O PSQC no Leituras Sustentáveis - IFRJ/Nilópolis

Eu e o Palavras Sobre Qualquer Coisa estaremos no IFRJ no evento Leituras Sustentáveis, amanhã (02/12/13) , às 15:30h, em Nilópolis. Quem quiser dar um pulo, já está devidamente convidado.












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sábado, 30 de novembro de 2013

A Lata

Da minha infância até minha adolescência vivi com meu avô Tuninho em sua casa, que depois tornou-se a casa dos meus pais e minha e de meu irmão. Nunca conseguira abrir os alimentos enlatados com aquele abridor tradicional, com um pequeno gancho de ferro sólido e fixo em uma curta base para se apoiar na palma da mão. Nunca. Então recorria ao meu avô, que tinha mais de oitenta anos já à época. E lá ia ele, meio sem jeito, meio sem força, agradar seu neto, abrir a lata difícil. Eu via que ele também tinha dificuldades, mas sempre conseguia abrir as latas. Sempre. De vez em quando eu dizia "vô, deixa pra lá", mas ele sempre conseguia abrir as latas. Sempre. Meu avô morreu e eu tinha dezesseis anos.

Hoje, exatamente hoje, eu comprei um patê, estava contido em uma lata, cheguei em casa, e estava lá um abridor idêntico ao que havia em minha antiga casa, o mesmo formato e material. Peguei a ferramenta e com extrema facilidade executei a tarefa. A lata foi aberta. Passei a faca à pasta e comi o pão.

Hoje, exatamente hoje, meu avô me habitou novamente.

E eu não queria que ele fosse embora.



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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Projeto "O Espírito da Coisa: Palavras Sobre Qualquer Coisa" - Launching People Samsung



Gente é o seguinte. Este é um projeto que enviei para o programa da Samsung chamado "Launching People" e eu preciso muito que vocês curtam e divulguem aqui pelo facebook e entre seus grupos e amigos. Se trata de realizar uma plataforma on line onde eu, em parceria com artistas da Baixada Fluminense e futuros colaboradores, poderemos co-produzir e divulgar nas redes sociais literatura, música e audiovisual dos cidadãos desta região.
Ficou com dúvidas? Quer saber um pouco mais? Clique no link do projeto, leia a descrição e veja um pequeno vídeo que preparei.


Clique no link abaixo, veja o projeto, deixe um comentário e compartilhe!


Obrigado.

Besos.
Projeto "O Espírito da Coisa: Palavras Sobre Qualquer Coisa" pelo Launching People Samsung.





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sábado, 23 de novembro de 2013

Deliciosamente / Natureza, por Rosemary Simões


A Mary é amiga de minha mãe já faz alguns anos. Tem uma neta da mesma idade de meu sobrinho. Mary sempre esteve em minha casa e trava enormes conversas e confissões com minha mãe. Ela sempre se disse fã do meu livro e me prometia um dia mostrar seus poemas. Mary sempre foi muito muito tímida, mas para minha surpresa, deixou um pacote com seus textos para que eu pudesse ler. E não há como perceber que essa timidez esconde uma busca pela alegria, felicidade, companhia e sensualidade.

Bom, selecionei dois textos para que vocês possam conhecer a poeta... Rosemary Simões. 


Deliciosamente

O olhar voltou como a chuva que cai deliciosamente 
para refrescar a terra necessitada de água.

O sorriso?

Ah! É como saborear pêssego com creme de leite,
só seria melhor sobre o peito dele.

Um dia, na idade madura, sentirei ter perdido por
não dizer: 

"O teu sorriso é lindo, melhor ainda seria com creme de leite".  


Natureza

Tive tempo de olhar a lua! Linda!
Era como se o Sol estivesse fazendo amor com ela, e o orgasmo foi pleno e simétrico.
E as estrelas em síncope brilhavam discretas, devido ao encanto proporcionado.
Raras são as noites em que olho o céu. 
Por isso perco em sentir esse sabor sempre encantador.
É claro que a natureza sabe fazer essa magia há milhares de anos, mas somente agora estou vulnerável.
É real, tenho o céu ao meu dispor.


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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Poema para Lara

Lara surgiu do nada lendo um meu poema,
e ainda assim me acha uma pessoa serena, mas que ingênua!

Lara é sentimental e de maneira imatura
procura e busca uma cura, mas que luta!

Lara se pergunta sobre o sentido da vida
mas como coisa teimosa essa tal sempre lhe evita, mas que doída!

Lara busca refúgio nas canções e nas palavras
e fica confusa pois nelas só há ciladas, mas que malvadas!

Lara então chora pois sabe que na despedida
remédio para a dor que sente não sara a ferida, mas que partida!

Então o poemista dirá:

"Lara cultive gargalhadas para que os males
colhidos sejam regados pelos sorrisos molhados de saudades e de vida.

Ame-se para poder amar aos outros e para que lhe amem quando menos necessitar.
Permita-se sofrer e chorar, mas não pratique o desespero e a melancolia.
Abrace sem pestanejar.
Beije de olhos fechados... mas abra-os de vez em quando, mas só de vez em quando.
Sussurre aos ouvidos.
Grite aos fantasmas.

Diga: "Eu te amo".
Diga: "Eu me amo".
Quebre um espelho!
E diga: "Até nunca mais!""

Lara, ninfa do Lácio, à sua morada o silêncio quer ficar.

Lara, a vida não é clara, mas é boa, e eu te juro, que não custa tentar.



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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O poeta passageiro


Ventos lusitanos enfrentaram as pancadas atlânticas do mar e trouxeram consigo os seres que continham a quarta parte da matéria do poeta. Terras de além mar, terras de além Porto, terras de além Lisboa e terras de Alentejo sujavam com seus grãos grudados aos pés e às botas, o chão da embarcação de diversas almas, almas em busca das boas aventuranças ou da redenção. A fêmea que carregava um gajo em seu ventre, quase o cuspiu para que fosse batizado em nome de Poseidon. Tupã, como com ciúmes, não permitiu tal heresia. Em terra tupiniquim aportaram e não em nome da divindade indígena, mas sim em Cristo, a criança foi entronada aos espíritos superiores. E nessa toada, nas andanças por terras ainda verdes, quase que despovoadas de civilização e de fuligem fabril, fincaram bandeira no Brasil. Nesta família alijada e por nossas areias adotada, parte importante do escrivinhador por nau foi trazida. Anos depois, aquele pequeno gajo, depois homem, cor de branco como vela, viu a morena analfabeta, e mesmo assim se apaixonou. Dessa união, em futuro próximo, metade em fêmea do poeta se formou. Mas a história não se acaba, porque ainda falta outra quarta parte, que ainda não somou.     

Ventos agrestes sopraram quentes nas vestes enquanto a égua e o jumento morriam de sede. Este quarto de parte do poeta vem daqui mesmo, com queijo coalho e torresmo, e oriundos da cidade que nasceu no mesmo dia de São Salvador da Cruz do Calvário, ao Rio de Janeiro vieram viver. Os motivos que lhes tiraram, juntos, do seio de suas entranhas macaxeiradas, assim como os patrícios de mesma história, talvez nunca iremos saber. Ao centro velho da cidade das águas de Janeiro chegaram, com crianças aos colos e suor nas testas, e mesmo assim em acordes nordestinos comiam, cantavam e faziam festas. O homem nos trens foi trabalhar, na Cinelândia foi jogar bilhar e cerveja tomar. A mulher com filhos para criar, comida a cozinhar, e outra função a inventar.... ah! foi vender beleza, e em movimento pendular, em ônibus-araras, perambulou de Natal a Janeiro, do Rio ao Rio Grande, lá ao Norte, sem se cansar. Levava consigo o único rebento cabra-da-peste, que carregava as malas e o peso como um jegue, sendo esta metade em macho, que em futura união, um pequeno poeta iria forjar.

Então em terras de Jacutinga e Mutambó, estas metades se encontram, e é a partir daí que o dono das palavras começa a respirar. Pedras duras, lama mole, asfalto molhado, de sangue, presidente-general no comando, povo em transe, e uma década dada como perdida para crescer e se formar. E depois... peladas em campos de poeira, dedos com tampões arrancados e esfolados em rubro, amigos pobres, pobres vizinhos e a grande família da rua a se compartilhar. Jovens em cima dos trens, corpos com cheiro de queimado do surf ferroviário, das balas de fogo, dos pelotões de fuzilamento fardados. O poeta navega nas minhocas de metal, nas araras-urbanas, no pé-ante-pé do negro chão esburacado de uma Baixada repleta de dores, e também amores. No verde da encosta, na cachoeira escondida, nas reuniões nas lajes, nas festas em família, na lembrança dos amigos, na sujeira fluminense em eterna companhia, caminhando e escrevendo versos na urbes esquecida.

E o tempo passará carregando as palavras, as frases e os versos do poeta embarcado em carros, trens, ônibus, vans, metrôs, mototáxis, aos pés, sempre ao meio do caminho de nenhum lugar, de lugar algum, porque o poeta e seus poemas estão de passagem, como um Caronte que não tem morada, só navega. Vive na intermitência do espaço, porque não pertence, realmente, a espaço algum. Não é de lá, não é de cá. Busca morada provisória onde poderá derramar suas dores e seus amores, e tentará desesperado ser ouvido, assim como um gemido, para algum sentido à sua vida dar. O poeta passageiro navega em águas turvas, dirige veloz em curvas, por não saber como chegar. Talvez derrame suas sementes ao mundo, para que brotem profundo e bons frutos possam dar. Palavras perdidas, soltas ao destino, agora caminham livremente de Mesquita a Gibraltar. E diante de ti se deita, presta respeito, de uma prece refeito, fala "ó Vida" quase sempre a murmurar. Quer passagem de ida e volta, porque de poesia e vento, o poeta sempre quer brincar. Para sempre.



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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A parábola dos derrotados




Era uma vez dois sujeitos que moravam na mesma rua, mas nunca foram muito amigos, na verdade amigos nunca foram. Um se chamava Pequeno-ágil, o outro de nome Valentão. Um dia Pequeno-ágil se enche de coragem e decide entrar em uma briga com Valentão, que é muito mais forte e que faz bullying com ele há muitos e muitos anos. Pequeno-ágil está de saco cheio e chama o cara para a "porrada".

Valentão é um tanto covarde e chama seus amiguinhos, os Valentinhos, para o proteger no início da luta. Obviamente que de começo Pequeno-ágil apanha a beça, toma cassetadas, pancadas, choques e até bombas. Mas é veloz e persistente. A briga começa a ficar "boa", apesar das notórias diferenças, e quando Valentão efetivamente entra na peleja, começa a dar sinais de que também pode se machucar.

Marrento e arrogante, Valentão mantém a pose, mas começa a perceber que os pequenos golpes desferidos por Pequeno-ágil vão lhe machucando lentamente e minando sua base, sua áurea de invencível. Mesmo assim Valentão é muito forte e se mantém em pé. Pequeno-ágil também está muito machucado, sangrando e mancando, mas de alguma maneira também consegue se manter de pé, mesmo com muita dificuldade. 

De repente entra em cena Fortão, outro vizinho da rua, de família rica, o que fez com que ele pudesse passar muitos anos na academia estudando e malhando. Fortão não tem muita afinidade pelo o que está sendo disputado, pelo motivo da briga, mas também está cansado de ver essa bagunça em sua rua. Fortão gosta de colocar ordem nas coisas. Então chega aos briguentos e diz: "Ei, vocês dois, eu não tenho nada a ver com isso, mas tô afim de dar uma ajuda pra vocês acabarem com essa briga". Pequeno-ágil está cansado e muito machucado, e acha que não tem muita saída, e logo aponta que quer a ajuda do intermediário poderoso. Fortão chama Valentão e Pequeno-ágil para a calçada e começa a negociar o fim da briga. Depois de muitas discussões e gritos... Chegam a um acordo!

E o acordo diz: Pequeno-ágil terá que pedir desculpas a Valentão e como recompensa receberá um kit de primeiros-socorros para curar todas as feridas e machucados adquiridos na disputa.

Moral da História 1): "Se não aguenta, por que entrou na briga?". 
Moral da História 2): "Se é pra brigar, que seja até o fim!".

Deixe sua Moral da História aqui também, estamos abertos para o final que você desejar ou que a própria História se colocar:


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sábado, 12 de outubro de 2013

Bento

Quando vi a foto do rebento de meus amigos João Lossio e Mariana logo pensei qual presente poderia dar. Decidi dar um presente único e que se relacionasse com minha amizade com João. Alguns anos atrás, quando nos conhecemos, nossa amizade se consolidou através da música e da poesia. E quando fui rascunhar as primeira palavras, para meu espanto, veio também uma melodia. E assim dei vazão às duas inspirações e acabei criando um poema/letra para uma melodia, gerando assim uma canção.

Esta canção leva o nome do filho de João e Mariana, mas também pode ser ofertada para todas as crianças que nasceram por agora, para as que virão e para os que são eternamente crianças, ou que pelo menos tentam. Ao final do poema vocês poderão ouvir a canção cantarolada por mim.

Por favor perdoem minhas desafinadas (como sabem não sou profissional da música) e para quem pensar "usurpar" a melodia, pode tirar o cavalinho da chuva, pois a canção já está registrada.

Sinceramente, espero que gostem.


Bento abotoa o riso na minha cara
Traz de longe um choro que não cala
Vai e me lembra que a vida responde
As perguntas que não sei de onde.

Vem brincar pra me dizer
Que o amor me escolheu
O luar vem me brindar
Com que o sol vai revelar...

Bento abotoa o riso na minha cara
Traz distante um brilho que não cessa
Você não sabe que trago em meu peito
Tudo que tenho pra ti ofereço.

Vou cantar e não esquecer
Que você apareceu
Te ninar me faz lembrar
Do carinho que vou te dar...

Bento abotoa o riso na minha cara
Traz de longe
Um'alegria
Que não
Para.








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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Democracia só é Democracia se for exercida!


Manifestação a favor da educação pública e dos professores. 
Pelo fim da violência da PM!










In memoriam de Emílio Araújo.


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domingo, 6 de outubro de 2013

O Chefe: uma história verdadeira






















Imagem: Google

Fiz meu curso de graduação em ciências sociais e mestrado no renomado IFCS (Ifiquisss). Oficialmente conhecido como Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Adentrei ao curso no segundo semestre do ano dois mil, porém não sei precisar exatamente o ano em que esta história aconteceu, só sei que foi obviamente antes da morte da personagem principal, que não sou eu e que vocês saberão logo quem é.

Nunca tive tempo para me socializar com meus amigos de curso ou ficar de bobeira no centenário e histórico prédio situado no Largo de São Francisco de Paula, que é nomeado desta forma porque justamente ao lado do IFCS, há a bela igreja de mesmo nome. Nesta praça, ou largo, que possuiu estes dois prédios históricos há também, ao centro, a estátua esverdeada e cheia de cocô de pombo de José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da independência.

Mas como estava dizendo, nunca pude tomar uma cerveja com os amigos por três motivos: o primeiro é que eu morava na Baixada Fluminense, e nem sempre podia ficar muito tarde na rua porque teria que percorrer um longe trajeto de volta ao lar; o segundo porque trabalhei durante toda a minha graduação no aeroporto internacional do Galeão, na Ilha do Governador, e tinha que conciliar trabalho e o curso; e o terceiro e mais importante, eu não bebo cerveja.

Esta história começa quando um dia, depois das aulas da manhã, saio correndo para pegar o ônibus e ir para o aeroporto trabalhar. Mas quando desço as escadarias do IFCS, vejo um aparato incrível à minha frente. Muitos utilitários pretos cercavam a praça, e muitas, mas muitas pick-ups da Polícia Militar (antigamente eram as Blazers, não sei se ainda são) guardavam o perímetro. Eu e alguns colegas não sabíamos o que pensar. Seria uma operação militar? Algum bandido fugia? Que chefe de Estado aquele santuário estava recebendo? Ficamos ali matutando... até que de repente vimos um movimento brusco que vinha da igreja de São Francisco, ao nosso lado direito. Algumas pessoas saiam da igreja, homens de terno, óculos escuros e fones de ouvindo, tipo James Bond, e nós lá, intrigados. Porém em alguns instantes, descendo as escadas da construção sagrada surge um senhor, sim, um senhor idoso e calvo, porém parecendo bastante disposto e altivo, moreno, bigode e alguns cabelos brancos. Ficamos reparando, reparando e... matamos a charada! Sim, era ele, ELE!

Ele e sua esposa adentraram a uma das picapes pretas, e seguidos por todos os seus seguranças e também pelos inúmeros carros da Polícia Militar destacados para ali protegê-lo, deu a volta lentamente no Largo de São Francisco de Paula. Alguns de meus colegas decidiram descer para tirar um sarro e foram correndo mostrar o dedo médio para aquele senhor em seu carro preto blindado de vidro fumê. Eu não fui, fiquei mais atrás, mas achei engraçado e fiquei rindo da disposição e da sacanagem deles. Mas por algum motivo não fui e não mostrei o dedo e não xinguei. Fiquei mais distante, observando e pensando, pensando e vendo todos aqueles carros da polícia, todos, muitos, azuis e brancos e suas sirenes vermelhas. Muitos carros brancos e azuis e suas sirenes vermelhas. Carros azuis e brancos e suas sirenes vermelhas.

Mas agora, muitos anos depois, essa história me volta e me vem à memória de maneira clara e límpida, porque, hoje, ela faz todo o sentido, todo o sentido. Quem ali estava? Quem estava ali? Sim, era um chefe de Estado, o Doutor, o Imortal, sim era o...Chefe. Era... Roberto Marinho.


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Eu e o PSQC no Fora de Área, no SESC Tijuca, 28/09/13.


"Capitão América" enviado por aquele que tudo sabe, tudo ouve e tudo lê, ele Obam... ops... Nick Fury. A missão: Onde estarão Batman (já encontrado) e Amarildo (ainda desaparecido)? Quais os próximos planos (leis) de Heil Cabral para o Reino do Rio de Janeiro? E... ler poesias! Sim, eu uso máscara sim e fodam-se leis inconstitucionais!


















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Obvious Lounge: Palavras, Películas e Cidades

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Agora também estamos no incrível espaço de cultura colaborativa que é a Obvious. Lá faremos nossas digressões sobre literatura, cinema e a vida nas cidades. Ficaram curiosos? É só clicar na imagem e vocês irão direto para lá!

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Palavras Sobre Qualquer Coisa - O livro!

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Para efetuar a compra do livro no site da Multifoco, é só clicar na imagem! Ou para comprar comigo, com uma linda dedicatória, é só me escrever um email, que está aqui no blog. Besos.

O autor

Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.

O CULPADO OCUPANDO-SE DAS PALAVRAS

Contato

O email do blog: vinicius.fsilva@gmail.com

O PASSADO TAMBÉM MERECE SER (RE)LIDO

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