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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O poeta passageiro


Ventos lusitanos enfrentaram as pancadas atlânticas do mar e trouxeram consigo os seres que continham a quarta parte da matéria do poeta. Terras de além mar, terras de além Porto, terras de além Lisboa e terras de Alentejo sujavam com seus grãos grudados aos pés e às botas, o chão da embarcação de diversas almas, almas em busca das boas aventuranças ou da redenção. A fêmea que carregava um gajo em seu ventre, quase o cuspiu para que fosse batizado em nome de Poseidon. Tupã, como com ciúmes, não permitiu tal heresia. Em terra tupiniquim aportaram e não em nome da divindade indígena, mas sim em Cristo, a criança foi entronada aos espíritos superiores. E nessa toada, nas andanças por terras ainda verdes, quase que despovoadas de civilização e de fuligem fabril, fincaram bandeira no Brasil. Nesta família alijada e por nossas areias adotada, parte importante do escrivinhador por nau foi trazida. Anos depois, aquele pequeno gajo, depois homem, cor de branco como vela, viu a morena analfabeta, e mesmo assim se apaixonou. Dessa união, em futuro próximo, metade em fêmea do poeta se formou. Mas a história não se acaba, porque ainda falta outra quarta parte, que ainda não somou.     

Ventos agrestes sopraram quentes nas vestes enquanto a égua e o jumento morriam de sede. Este quarto de parte do poeta vem daqui mesmo, com queijo coalho e torresmo, e oriundos da cidade que nasceu no mesmo dia de São Salvador da Cruz do Calvário, ao Rio de Janeiro vieram viver. Os motivos que lhes tiraram, juntos, do seio de suas entranhas macaxeiradas, assim como os patrícios de mesma história, talvez nunca iremos saber. Ao centro velho da cidade das águas de Janeiro chegaram, com crianças aos colos e suor nas testas, e mesmo assim em acordes nordestinos comiam, cantavam e faziam festas. O homem nos trens foi trabalhar, na Cinelândia foi jogar bilhar e cerveja tomar. A mulher com filhos para criar, comida a cozinhar, e outra função a inventar.... ah! foi vender beleza, e em movimento pendular, em ônibus-araras, perambulou de Natal a Janeiro, do Rio ao Rio Grande, lá ao Norte, sem se cansar. Levava consigo o único rebento cabra-da-peste, que carregava as malas e o peso como um jegue, sendo esta metade em macho, que em futura união, um pequeno poeta iria forjar.

Então em terras de Jacutinga e Mutambó, estas metades se encontram, e é a partir daí que o dono das palavras começa a respirar. Pedras duras, lama mole, asfalto molhado, de sangue, presidente-general no comando, povo em transe, e uma década dada como perdida para crescer e se formar. E depois... peladas em campos de poeira, dedos com tampões arrancados e esfolados em rubro, amigos pobres, pobres vizinhos e a grande família da rua a se compartilhar. Jovens em cima dos trens, corpos com cheiro de queimado do surf ferroviário, das balas de fogo, dos pelotões de fuzilamento fardados. O poeta navega nas minhocas de metal, nas araras-urbanas, no pé-ante-pé do negro chão esburacado de uma Baixada repleta de dores, e também amores. No verde da encosta, na cachoeira escondida, nas reuniões nas lajes, nas festas em família, na lembrança dos amigos, na sujeira fluminense em eterna companhia, caminhando e escrevendo versos na urbes esquecida.

E o tempo passará carregando as palavras, as frases e os versos do poeta embarcado em carros, trens, ônibus, vans, metrôs, mototáxis, aos pés, sempre ao meio do caminho de nenhum lugar, de lugar algum, porque o poeta e seus poemas estão de passagem, como um Caronte que não tem morada, só navega. Vive na intermitência do espaço, porque não pertence, realmente, a espaço algum. Não é de lá, não é de cá. Busca morada provisória onde poderá derramar suas dores e seus amores, e tentará desesperado ser ouvido, assim como um gemido, para algum sentido à sua vida dar. O poeta passageiro navega em águas turvas, dirige veloz em curvas, por não saber como chegar. Talvez derrame suas sementes ao mundo, para que brotem profundo e bons frutos possam dar. Palavras perdidas, soltas ao destino, agora caminham livremente de Mesquita a Gibraltar. E diante de ti se deita, presta respeito, de uma prece refeito, fala "ó Vida" quase sempre a murmurar. Quer passagem de ida e volta, porque de poesia e vento, o poeta sempre quer brincar. Para sempre.



Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

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O autor

Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.

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