Mommy (2014, Xavier Dolan)
Por Samantha Brasil
24/12/2014
Com seu quinto filme, o jovem
diretor canadense Xavier Dolan foi aclamado no Festival de Cannes desse ano
recebendo o Prêmio do Júri junto com o experiente cineasta Jean-Luc Godard. E o
prêmio não foi à toa. Com um trabalho magnífico, o diretor de apenas 25 anos,
retoma o tema que nunca largou e que o lançou no mundo cinematográfico: as
dificuldades nas relações familiares, em especial entre mãe e filho. Seu
primeiro filme “Eu matei minha mãe” (2009) é um retrato histérico de uma
família disfuncional formada somente por mãe e filho na qual a relação de ambos
é totalmente inviável. Já em “Mommy”, o tema é semelhante, porém aqui o que
mais chama a atenção é o amor exacerbado entre a mãe Diane (Anne Dorval,
atriz-fetiche de Dolan) e seu filho adolescente Steve (Antoine-Olivier Pilon).
É tanto amor que a relação fica sufocante, não mais pelas diferenças (como no
primeiro filme), mas pelas semelhanças.
E pra mostrar o quanto a essa
mediação é claustrofóbica em diversos níveis, Dolan utiliza a técnica
estilística de filmar no formato de câmera 1:1 que encurta a tela, deixando a
imagem com um tamanho quadrado como se fosse uma janela. Só por esse aprumo e
apreço estético que compõe uma metáfora e uma metalinguagem dos e para os
próprios personagens já se pode notar o cuidado com que Dolan idealizou essa
obra. Nada é gratuito e este recurso imagético funciona perfeitamente para
demonstrar o quanto ao longo do filme os personagens conseguem se expandir e se
retrair de acordo com os acontecimentos. “Mommy”, nesse sentido, é uma película
bastante sensorial, pois além de vermos as atuações em conjunto com cenário e
fotografia (acertadamente trabalhada por André Turpin), nós de fato
experimentamos junto com os atores todas as agruras do roteiro tão bem
explorado pelo diretor.
A história é contada num Canadá
fictício, mas não muito longínquo. A trama é narrada em 2015 quando o governo
canadense sanciona uma Lei que prevê que a família pode “abandonar” um filho
problemático aos cuidados do Estado sem qualquer ônus ou sanções legais. Steve
é um desses adolescente-problemas, que tem na mãe Diane um espelho de
imaturidade que faz com a relação entre eles, apesar de muito amorosa, seja uma
completa catástrofe. Ambos são desajustados sociais, pois não se enquadram nas
regras de conduta moralmente recomendadas. A essa dupla quase que explosiva
soma-se uma vizinha tímida chamada Kyla (Suzanne Clément) introspectiva, com
problemas de fala e sufocada por uma estrutura familiar extremamente
conservadora, mas que de alguma forma vai ser o ponto de equilíbrio dessa
família disfuncional.
Esse triângulo emotivo formado
por Dorval, Clément e Pilon tem uma força monstruosa de atuações
irrepreensíveis funcionando como um motor catártico de relações interpessoais
que denotam insegurança, amor, fúria, frustração, angústia, incerteza,
liberdade, alegria, prazer. Tudo isso misturado com cores vibrantes e
acompanhado de uma trilha sonora extremamente vívida a ponto de se tornar
praticamente uma personagem. Destaco aqui uma cena de grande beleza do filme em
que a tela se expande para o seu formato normal, abandonando aquele olhar
reduzido do mundo proporcionado pelo formato quadrado vertical 1:1, no qual
Steve tem um momento explosivo e catártico ao som de “Wonderwall” da banda
Oasis. Facilmente essa cena entrará para o panteão do cinema devido a sua
intensa magia.
Sem sombra de dúvida e tendo em
vista que já estamos a menos de 15 dias para o fim de 2014 é possível desde já
afirmar que “Mommy” é um dos melhores filmes do ano. Indicado pelo Canadá para
concorrer na categoria do Oscar de filme estrangeiro é um filme imprescindível
não somente na filmografia de Dolan que o dirige, monta, produz, é chefe de
figurino e roteirista, mas na lista de qualquer cinéfilo que se preze.
Nota: ♥ ♥ ♥ ♥ ♥
Obs.: A escala de corações vai de coração vazio (em branco) até cinco!
Samantha Brasil foi criada na Ilha do Governador, insular espaço fincado na Zona Norte do Rio de Janeiro, permeada entre a Baía da Guanabara, o Aeroporto do Galeão e a Ilha do Fundão. Fez Ciências Sociais na UFRJ, mas decidiu também fazer Direito. Hoje é funcionária do TJ-RJ. O cinema foi surgindo em sua vida como gosto, até atingir o ápice de vício. Médicos dizem que hoje não há mais cura, então sua única saída será ver mais e mais filmes, além de viajar em busca de Mostras e Festivais de cinema. Agora também escreve sobre esta maravilhosa arte, porque vício é assim mesmo.
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