Satolep Sambatown - Vitor Ramil & Marcos Suzano
Universal (2007)
Vitor sempre procurou dissociar suas percepções e influências musicais do pop feito por seus irmãos mais velhos. Muito de sua obra é pautada por uma melancolia e uma tristeza, peculiares, e com um lirismo argumentativo sobre questões da existência, do cotidiano e das relações amorosas. Percebe-se também a busca, a princípio, por uma identidade e construção de uma estética especificamente sulista, o que se configurou no livro A Estética do Frio (sim, ele tem um livro). Há o apontamento para uma produção musical característica da região, que quase sempre foi subestimada pelo mainstream da nossa música popular, ficando restrita ao Rio Grande do Sul, com avanços até o Paraná (circunscrito à região Sul) e um pouco em São Paulo.
E as influências se fazem presentes: as milongas da fronteira entre os países portenhos (principalmente com o Uruguai), a música tradicional gaúcha e seus acordeons e estórias, a verve urbana muito característica na música feita no Rio Grande, especificamente em Porto Alegre e adjacências. Todas essas influências melódicas se coadunam com um típico cancioneiro brasileiro, com letras que o aproximam com formas de criação de outros compositores contemporâneos a ele, como Paulinho Moska e Lenine.
E é justamente na citação ao compositor carioca (Moska) que se une o outro elemento de Satolep Sambatown: Marcos Suzano. Este percussionista carioca que iniciou sua carreira tocando samba e choro com o grande instrumentista Paulo Moura, se notabilizou por seu pandeiro que mais parece uma bateria. Uniu-se a Vitor para juntar a força das canções do compositor gaúcho com os "climas" criados pelo seu set inovador e diferenciado.
Através do álbum Móbile (1999), de Moska, Suzano tenta ultrapassar o tradicional arsenal de instrumentos da percussão feita até aquele momento. Passa a gravar batidas de seu grave pandeiro, de pratos e instrumentos para produzir um aumento das batidas por minuto, realizando assim um mix entre a música tocada e o "clima" da música eletrônica. Esse experimentalismo o fez lançar o álbum Flash (2000), que é muito mais um disco de ambiência sonora do que uma proposta focada em canções instrumentais com uma linguagem iconoclasta por faixa.
Satolep Sambatown é a união dessas duas vertentes e formas de sentir e realizar a música popular. O nome Satolep (significa Pelotas ao contrário) ó nome de uma faixa do álbum A Paixão De V Segundo Ele Próprio (1984). Já Sambatown é o título do primeiro álbum solo de Marcos Suzano, lançado em (1996, se não me engano).
E apesar dessas diferenças geográficas e musicais, Satolep Sambatown consegue uma unidade interessante. A aproximação das canções de Vitor a uma leitura mais pop, iniciada em Tambong (2000), seguiu seu percusso e culminou em um excelente repertório, recheado de lindas melodias e letras encharcadas de uma poesia lírica e cínica. O som de Suzano traz um frescor e uma jovialidade que parecem não fazer muito parte dos arranjos anteriores de Vitor (com exceções obviamente), além de algo que o gaúcho não parece ter muito: ginga.
Ah... parece que houve uma certa surpresa com o prêmio de melhor cantor no Prêmio Multishow que Vitor conseguiu pelo voto popular. Um jornal carioca (não lembro qual) soltou uma notinha meio maldosa falando com certo espanto do feito, mas não há espanto, Vitor é excelente cantor. Tive o prazer de vê-lo com Suzano aqui no Rio. Junto com o Moska, é um dos melhores intérpretes dos poucos homens cantores que temos em nossa MPB. E o prêmio pelo voto popular mostra que nosso "gosto" não fica só no óbvio, tem uma tal de internet propiciando novas possibilidades, fazendo as pessoas saírem do "mais do mesmo".
Livro aberto (Vitor Ramil) abre lindamente o disco, com sua letra falando da espera aflita por alguém e com uma cuíca de Suzano que persegue os ouvidos desde o início até o final da faixa. Invento (Vitor Ramil) parece trazer aos nossos olhos as imagens de Pelotas, com suas paixões e histórias do passado. Posteriormente temos, na minha humilde opinião, a faixa mais bela do álbum: Viajei (Vitor Ramil). A melodia deliciosa com um clima esvoaçante e um assobio fabuloso faz você realmente viajar. Me fez. Depois mais uma boa faixa com Que horas não são? (Vitor Ramil), com participação da cantora carioca Kátia B, canção esta com arranjo oriental/árabe totalmente pertinente e canto otimamente casado entre Vitor e Kátia. Depois temos a animadinha O copo e a tempestade (Vitor Ramil), somente com o pandeiro de Marcos Suzano.
A zero por hora (Vitor Ramil) conta com a participação do cantor e compositor hispano-uruguaio Jorge Drexler, e indica o interesse de Vitor pelas canções latinas (ausentes durantes muito anos em nossa produção musical e que parecem estar de volta, felizmente). A história de uma apaixonite e bebedeira em plena Rua Augusta (SP) é ótima, além da referência a Roberto Carlos e de ouvir pela primeira vez Drexler cantando (tentando) em português. 12 segundos de oscuridad (Vitor Ramil/Jorge Drexler) não avança muito em relação a parcerias já feitas pelo uruguaio com outros compositores brasileiros. A ilusão da casa (Vitor Ramil) é uma regravação desnecessária de uma faixa de Tambong, mas a canção é legal. Café da manhã-D’après Prévert (Vitor Ramil) é uma daquelas em que ironia e boa pegada no refrão faz uma canção ser muito bacana. Por fim temos um poema de Emily Dickinson musicado por Ramil, The word is dead (Vitor Ramil/Emily Dickinson), rapidinha mas gostosa (hum...), e para fechar temos Astronauta lírico (Vitor Ramil) com um lirismo (proposto no título) citadino como despedida, com pensamentos no céu.
Bom, como este blog é meuzinho e entre meus pitacos musicais e artísticos, em geral, tem muito das minhas referências e preferências, decidi criar na secção Acordes a(s) melhor(es) e a(s) pior(es) faixa(s). Isso não significa que o meu gosto define se aquela canção ou arranjo são ruins ou maravilhosos, mas aponta somente as faixas que se encaixam mais aos meus parâmetros sensoriais e afetivos. Então vamos ao começo (ou ao final?).
Pior faixa: 12 segundos de oscuridad.
Observação: Carla, minha senhora, diz que não gosta muito de Astronauta lírico e que gosta um pouco menos de 12 de oscuridad, e que o restante do álbum é bom pacas!
Quer saber um pouco mais do Vitor Ramil? Entra no site dele. O Marcos Suzano infelizmente ainda não tem homepage.
http://www.vitorramil.com.br/
Besos.
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
5 comentários:
vc já mandou seu comentário pra ele?
já trabalhei com a irmã dele que tb é produtora cultural (e deles tb!), a branca. se quiser passo o contato ou envio pra você! ;*
Olha, eu não enviei não. Sei que o que mais tem é release de cd por aí, mas eu adoraria sim, que a irmã e ele próprio pudessem ler a resenha. Me passa o contato ou envie para eles, desde já estás devidamente autorizada.
Obs.: Adorei os comentário recentes, estava com saudades das suas palavras tão pertinentes aqui no PSQC.
Besos.
Adoro cuíca!!
E realmente, essas duas faixas não me apetecem.
Fora elas...
ai, já enviei para eles! com copia para você! beijos! ;)
...astronauta lírco é de uma beleza única..chorei na primeira vez q ouví.....é uma milonga ..a batida...com a voz dele me emocionou......12 segundos é drexleriana e exala....cheiros do mar.......é perfeito o disco do inicio ao fim....
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