(in)contidos - O novo livro de Vinícius Fernandes da Silva do PSQC

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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A terra do sempre

O Sino tocou e ficou claro que o almoço já tinha acabado de começar. Os adultos correram pelos corredores, até à Direção, e perguntaram se poderiam parar de comer tantas gelatinas e chocolates. Foram devidamente desautorizados. Uma senhora de cabelos roxos passeava nua e gritava estridentemente que aquilo era um absurdo. Severino tocava uma canção de pavor, enquanto Jorge martelava uma pedra-sabão ao piano.

Dentro de poucos minutos o almoço já terminaria de ter começado e todos iriam ter que voltar às suas selas de cavalo. Dona Jorgina lembrava que aquilo era um retrocesso e que em idos tempos todos podiam comer saladas verdes e tomar água gelada, mas desde que a velha Direção assumiu aquele lugar, o que se fazia era somente mastigar jujubas, chokitos e beber refrigerantes.

Depois de todos estarem trancafiados à meia-chave (para que pudessem assistir aos programas policiais da tarde), eram soltos à noite para que caminhassem livres pelas ruas perigosas da cidade. E somente poderiam voltar pela manhã, bem cedinho, assim que o cão latisse. Dona Jurema dizia que antigamente era muito melhor.

Seu Zeca falava sobre o tempo em que passeava pelas praças e ouvia os cantos dos urubus, jogava fliperama no banheiro e ria de tanto chorar ao ver as abelhas picarem seus vizinhos. Dona Iara gargalhava ao pensar no tempo em que ia para o mar bebericar um pouco de água doce e sentir o vapor quente do inverno, bons tempos...

Sempre às sete da manhã, quando a Lua estava nascendo, todos se levantavam diante das janelas fechadas e ouviam o barulho do satélite de metal se levantando, era realmente um espetáculo radioso. Ele também adorava... pena que teve que fugir. Lembrava-se dos Perdidos que acabaram se encontrando, e da fada que tinha virado menino. Nunca imaginou que isso pudesse ter acontecido... Todos os dias, todas as horas, todos os momentos, lembrava-se de como era divertido viver.

A verdade é que tudo mudou, o mundo todo, e ele realmente nunca imaginara que a Terra do Nunca iria deixar de ser do Nunca e passaria a ser a Terra do Sempre. Mas o impossível aconteceu, os Garotos Perdidos de tanto se acharem, acabaram virando adultos. Sininho se transformou em O Sino (sujeito-homem) e o Capitão Gancho morreu de tão jovem que ficou. Tudo estava invertido.

Wendy e seus irmãos, de tão velhos que ficaram, construíram uma prisão, uma prisão para que todos os adultos da Terra do Nunca voltassem a ser crianças, novamente, em uma tentativa desesperada de remoçarem seus sonhos. Mas seu líder tinha fugido de tão assustado que ficou. De todas as formas tentaram encontrá-lo, até uma tentativa de ressuscitar o Gancho foi realizada, mas sem sucesso.

E após o pó de pirlimpimpim ter virado sal e as árvores se transformado em prédios, todos tiveram a certeza de que ele tinha morrido. Ele era a única esperança de salvação para aquele povo, para que as pessoas não nascessem mais de cabelos brancos, e parassem de sorrir ao tomarem o primeiro tapa do médico após saírem do ventre do pai.

O problema é que todos se esqueceram dele. Esqueceram seu nome. Nem mesmo eu me recordo. Esqueceram das roupas de folhas verdes, da espada mágica, da pena vermelha na cabeça, dos vôos magnânimos e do amor que sentia por Wendy. Na verdade todos tinham esquecido aquele sentimento que fazia com que as pessoas, todas elas, sentissem borboletas no estômago e lagartas debaixo dos pés. O terrível bom-estar de querer bem a alguém.

E agora com essas folhas brancas em minha frente, também quase esqueço meu primeiro nome. Estou com noventa e três anos e já sou um escritor famoso, com prêmios da acadêmia, troféus na cabeceira da cama e também tenho um belo pijama de bolinhas vermelhas. Então a porta se abre e ouço a voz da enfermeira a gritar:

- Peter! Peter! Está na hora do seu banho.



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3 comentários:

Fessora disse...

O primeiro dos seus que li.

Um texto bom. Bem a sua cara , já que é o próprio Peter Pan.

Anônimo disse...

gosto muito dos seus comentários eu fico cada vez mais pasmo , incentivado a me igualar um dia a vc , cara vc é foda meu que loucura, vc nasceu pronto , quando crescer quero ser igual ou melhor,rs, valeu amigo um abraço do seu aluno da faculdade Ikeda!!!
marcelo taxi DUNI

Anônimo disse...

Vc já leu Síndrome de Peter Pan? Interessante.. mas não acho que é o seu caso...sinceramente não... ser criança a vida inteira é bom - manter o menino sempre vivo!... mas a vida dita real existe e todo o resto, realidade e sonho... é neste mundo duo que vivemos ou pelo menos tentamos, né? um pé lá e outro cá... os pés no chão e asas para voar...ou c/pó de pirlimpimpim... ;*

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O autor

Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.

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