preguiça
Ele era o mais novo em uma famíla de quatro pessoas. Mãe, pai, filho e filho. Um casal de filhos homens. Nasceu com a expectativa e os mimos que sempre cercam a todos os rebentos caçulas. Com ele não foi diferente. Recebeu os dengos e cut-cut's que qualquer criança recém-nascida, e mais nova que o primogênito, receberia. Seus pais tinham dúvidas a que nome chamar o menino, porém o pai tinha decidido que daria um nome diferente àquela criança, um nome marcante, algo que intuitivamente se referiria à personalidade do varão mais novo daquele núcleo familiar.
Nenhum dos dois progenitores tiveram uma educação formal muito prolongada, mas eram inteligentes e bons leitores. Viviam com simplicidade, porém sem deixar faltar nada para eles e para os filhos. A mãe gostava de biologia e veterinária, porém sem ter se especializado ou feito a graduação na área. Só tinha estudado até o antigo segundo grau. Lembrava ter visto um nome que havia lhe chamado a atenção em um desses livros didáticos, mas não teve a curiosidade para pesquisar seu significado, somente sabia que tinha gostado do nome: Gusano. Apresentou-o ao marido que prontamente deu seu aval: "-É isso, está escolhido, Gusano será o nome de nosso filho".
Gusano foi uma criança estranha. Com comportamento arredio tinha dificuldades em fazer amizades. Levaram-no a um especialista que verificou que o pequeno ser não tinha nenhum comprometimento neurológico ou afins. Alertou aos pais que talvez o excesso de zelo pudesse ser o causador de tal distúrbio no convívio social. Os pais não deram ouvidos ao comentário do médico. E o comportamento do pequeno Gusano continuou a alarmar a família, menos os pais do menino. Não se dava com os primos, odiava o irmão mais velho, era lento, troncho, gordo, lerdo, não brincava com nenhuma outra criança, a não ser para dizer que estava sendo sacaneado e automaticamente ser protegido pela mãe aflita pelo bem viver de seu garotinho.
Toda sua infância foi vivificada dessa forma, sem alterações significativas ou nuances mais surpreendentes. Quando estava pré-adolescente, seus pais, mais preocupados com sua situação, resolveram levá-lo novamente a outro especialista, porém neste caso o problema era de uma natureza diferenciada. Gusano tinha um pênis extremamente pequeno. O doutor especialista neste tipo de assunto tranquilizou os pais. "-Isso é normal para a idade dele, daqui a pouco cresce". Realmente cresceu. Um pouco.
Quando entrava para a vida adolescente Gusano descobriu o instrumento que transformaria toda a sua vida, e de certa forma a vida de seus pais e irmão mais velho. O já não mais pequeno rapaz descobrira um aparelho chamado... videogame. Todos os seus desejos se encontravam naquele singelo aparelho. Não necessitaria mais dos conselhos inúteis para que saísse de casa, para que fizesse amigos, para que jogasse bola ou então procurasse menininhas para beijar. Aquele aparelho era a solução para seus problemas. Nunca mais teria que falar com ninguém, nem com seus pais (tinha gratidão por eles, mas achava-os chatos). Tinha ojeriza a seu irmãos mais velho, que por sinal adorava uma rua.
O videogame continha tudo. Era seu universo particular, oferecia desafios intelectuais, oferecia punhetas para a Lara Croft, ali estava tudo, absolutamente tudo. Além desse aparelho também havia o computador e seus jogos on-line. Conhecia e conseguia "virar" todos os jogos, simplesmente todos. Transformou-se em um expert, muito provavelmente era melhor do que muitos profissionais de jogos, mas seu interesse não era ganhar dinheiro. Seu interesse era somente jogar. Jogar.
Porém algumas pressões começavam a incomodá-lo. Os pais travavam uma árdua luta para que seu filho mais novo estudasse para poder se graduar em uma universidade pública. Gusano relutou. Mas a pressão foi tanta que não resistiu e passou a frequentar um cursinho pré-vestibular comunitário. O preço era barato. Outra pressão era para saber quando o rapazinho iria aparecer com sua primeira namorada em casa. Esse tipo de comentário começou a irritá-lo ainda mais. Foi quando o segundo grande evento na vida de Gusano aconteceu, depois do videogame obviamente.
Não poderia haver no Universo, o real, duas almas tão parecidas. Dispunham do mesmo gosto. Do mesmo pensamento, que era pouco, mas que fazia suas mentes trabalharem, pelo menos enquanto jogavam seus games eternos. Se apaixonaram perdidamente. A família, a princípio, se incomodou com a relação não usual em seus meios, mas logo percebeu que aquelas almas se completavam. E a conjunção se deu. Dias e noites, os dois juntos. Jantavam juntos. Riam juntos. Comiam juntos. Dormiam juntos. E obviamente, jogavam juntos. Gusano e Helminto eram uma dupla e tanto. Viraram inúmeros jogos, bateram recordes não computados em apenas uma semana. E a vida corria. Eram somente os dois, o resto que se danasse. Não trabalhavam. Não compravam Coca-Cola. Não falavam com a família. A eterna cena naquela casa era observar Gusano e Helminto, lado a lado, em frente à tela do computador ou jogando o mais moderno videogame do momento.
Ao chegar ao cemitério e pagar um cervejinha ao zelador de mortos, fez a proposta ao dito funcionário. Queria exumar a cova para saber mais sobre suas origens, nem que fosse para perceber as nuances dos ossos do parente até então perdido. Quando o coveiro abriu a tampa e os dois, ele e o sobrinho, olharam para a terra revolvida, tomaram um susto. A cena era surpreendente. Dentro da cova se via dois corpos, abraçados em conchinha, um atrás, com o braço na cintura do outro, e logo ao lado dos dois corpos uma outra surpresa, uma caixa com uma tela, parecia, parecia, um, um... computador! E na tela percebia-se a sombra da última coisa gravada dentro daqueles tubos de luz também mortos. E com algum esforço o sobrinho e o coveiro conseguiram identificar o que ali estava escrito: M... Mo... Mort... Mortal Kom... Mortal Kombat XVI.
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Um comentário:
Interessante... Bem humorado...
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