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quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Juiz é Deus sim!



Oras, que conversa é essa de que Juiz não é Deus no Brasil? É óbvio, claro e patente que juízes, e não só eles, são deuses, ou mais que deuses. Juízes, promotores e desembargadores carregam em si, devido às suas funções sociais e incorporações simbólicas, uma aura de inviolabilidade social, econômica e... jurídica.

O caso da agente que tentou aplicar a lei de trânsito a um juiz que conduzia seu carro sem placa e sem documento ao dizer que "ele não era Deus" é somente um dos poucos casos em que uma carteirada ou o "você sabe com quem está falando", como desenvolvido por DaMatta, são operacionalizados no cotidiano brasileiro. Quantas vezes não ouvimos falar que magistrados exigiram serem chamados de "doutores" (mesmo a grande maioria não tendo doutorado) ou "excelências" em ambientes fora de seus domínios laborais, como em reuniões de condomínios, por exemplo. Ou vídeos publicados em que vemos magistrados atuando de maneira arrogante e preconceituosa frente a "subalternos" sociais, como no caso em que um juiz humilha o funcionário de um restaurante no RN, ou do juiz que atirou contra um segurança de um supermercado à queima roupa matando-o no Ceará alguns anos atrás. Ou o que falar do corporativismo, do auxílio-moradia de quatro mil reais aprovado e a proposta do TJ-RJ de um auxílio educação para os filhos dos magistrados no valor de sete mil reais?

Mas como explicar esta situação? Como já citado acima podemos utilizar o conceito de Roberto DaMatta para ressaltar como a existência social brasileira é altamente marcada e delimitada por uma hierarquia social baseada em diferenciados prestígios simbólicos e que acabam por ser internalizados pelos grupos sociais desde o início de seus processos de socialização. Por este motivo o "sabe com quem está falando" ainda é tão compreendido e assimilado por todas as classes sociais no país.

Outro conceito que podemos observar é o trazido por Raymundo Faoro em seu "Os Donos do Poder", onde o mesmo fará um aprofundado estudo sobre a formação social e jurídico-administrativa do Brasil, recompondo as tradições ibéricas históricas dos indivíduos que vieram formar nosso país. Utilizando dos conceitos e metodologias de Max Weber, o jurista gaúcho irá demarcar a existência de um estamento social que conduziria os rumos materiais e simbólicos da nação, tendo uma gerência e posição privilegiadas dentro do cenário político e social brasileiro.

Para Faoro "o estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira. No campo econômico, as medidas postas em prática, que ultrapassam a regulamentação formal da ideologia liberal, alcançam desde as prescrições financeiras e monetárias até a gestão direta das empresas, passando pelo regime das concessões estatais e das ordenações sobre o trabalho. Atuar diretamente ou mediante incentivos serão técnicas desenvolvidas dentro de um só escopo. Nas suas relações com a sociedade, o estamento diretor provê acerca das oportunidades de ascensão política, ora dispensando prestígio, ora reprimindo transtornos sediciosos, que buscam romper o esquema de controle".

Dessa forma o Poder Judicário brasileiro não obedeceria ipsis litteris à conceituação desenvolvida por Faoro, mas de alguma forma se relacionaria de maneira contundente com a mesma. O Poder Judiciário é um dos elementos da trindade fundadora de nosso republicanismo democrático representativo, mesmo que subjugado em determinados momentos de nossa História, tendo sua influência diminuída em seu aspecto de garantidor da democracia como na República Velha, no Estado Novo e na malfadada Ditadura Militar de 1964 a 1985. 

Com a Constituição de 1988 o Poder Judiciário ganha novo significado e vigor diante de nossa jovem democracia, passando a ter um papel cada vez mais fundamental dentro das disputas e cenários políticos que vão se travando com a estruturação de grandes blocos partidários e correntes políticas. Há, a partir de então, a observação do aumento do papel do Judiciário no arbítrio de uma justiça social, às vezes atropelando e superando as funções do Executivo, ou até mesmo legislando sobre matérias que teriam como principal agente o Legislativo, extrapolando, portanto, suas funções fundantes. Todas estas observações, e críticas a estas observações, são válidas e necessitam cada vez mais de debates acadêmicos e de participação da opinião pública.

Talvez a grande questão a que devamos nos ater no caso do Poder Judiciário é o substrato de sua função primordial: a garantia da democracia. Porém como um poder que deve ter como principal atividade possibilitar o acesso à democracia, através das leis, não ser justamente democrático? Apesar de todas as desvirtuações observadas nos últimos tempos nos poderes Executivo e Legislativo, os mesmos ainda são regidos, apesar das formas assimétricas vistas entre poder econômico e poder popular, por processos democráticos. Mas e o Judiciário? Não queremos aqui romper com a determinação do concurso e do mérito pessoal para a efetivação de técnicos judiciários, juízes, promotores e defensores públicos, porém como um poder autônomo pode ser garantidor da democracia sem ao menos usufruí-la? Não seria interessante a população escolher através de sufrágio o promotor de uma determinada região entre alguns postulantes, já que sabemos ser impossível o caráter da neutralidade política? Não seria interessante haver um sufrágio para decidirmos qual o juiz será o responsável por tal Vara ou Comarca por determinado período? Ou, como se dá a escolha dos desembargadores? Alguém sabe realmente os critérios e como funciona?     

Esta é uma discussão a ser travada indissoluvelmente no presente, no agora da estruturação de nossa democracia e talvez só a efetiva participação popular de uma Constituinte possa elencar este tema para as reformas que tanto necessitamos. 

Quanto ao caráter simbólico do uso da função e do prestígio social da magistratura na vida cotidiana, há de se afirmar que a grande maioria dos magistrados e promotores não se utilizam do expediente descrito no início deste texto, por suas corretas percepções de que exercem função de servidores públicos ou por suas convicções de foro pessoal e íntimo. Porém o que devemos estar atentos não é sobre as possibilidades de suprimir estas "vantagens" sociais por escolhas e determinação pessoais, mas sim de que ainda seja suportado socialmente e juridicamente a possibilidade de "carteiradas" e "sabe com quem está falando" em pleno momento de luta e reafirmação democrática.

E ao final destas considerações irei contradizer o título deste texto para me desdizer com orgulho que "Juiz não é Deus!".


Citação: FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. I e II. Editora Globo, Publifolha, Coleção Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro, 10a. edição, 2000, p. 740.

Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.


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O autor

Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.

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