Eram meados de 1960 e Walter, já com
dezesseis anos, saia para sua primeira viagem do subúrbio profundo que era
Mesquita, ao centro do que seria a antiga capital do país, o Rio de Janeiro.
Era seu primeiro dia de trabalho. A viagem seria feita através dos trilhos que
o levariam até a gare Central do Brasil, onde os passageiros eram conduzidos
pelos trens urbanos da também antiga Companhia Brasileira de Trens Urbanos –
CBTU.
Sua mãe já o havia alertado sobre os perigos
de andar de trem, pois os jovens tinham a mania, à época, de viajar
dependurados nas velhas portas das composições, portas muito diferentes das
máquinas automáticas de tempos mais contemporâneos – “Walterrrrrrr, não quero
você na porta, tá me ouvindo?”, “Sim senhora, pode ficar tranqüila mãe”. Walter
então embarcou, naquela manhã, para a última viagem de sua vida. A tarde
passou, a noite chegou, o dia raiou, e Walter não voltava. O desespero tomava
conta de todos: a mãe aflita, o pai silencioso, as irmãs mais jovens chorosas. Seu
Joaquim, pai de Walter decide no dia seguinte percorrer diferentes locais em
busca do filho que saíra para trabalhar, em seu primeiro dia, e não retornara.
Seu Joaquim era um português legítimo que
chegou ao Brasil em 1908, no ventre de sua mãe. Diz-se que sua mãe, grávida,
estava prestes a dar à luz em pleno navio que atravessava o Atlântico, e que o
comandante da embarcação torcia para que o bebê nascesse em alto-mar. Não
aconteceu. Assim que desembarcaram no porto de Magé, a criança nasceu. Logo
depois foram fazer a vida em Mesquita, pequena localidade situada na Baixada
Fluminense, periferia distante do centro do Rio de Janeiro.
Joaquim era herdeiro e dono de uma chácara e
acabou se apaixonando por Neusa, ainda menina e filha de lavradores que
cortavam cana-de-açúcar em sua propriedade. Neusa era morena e analfabeta, e
obviamente isso criou problemas para que se amor se consumasse, mas essa é
outra parte da história.
“E aí, e aí, Joaquim, Joaquim, encontrou
nosso menino, encontrou?” – e com o olhar que nunca gostaria de ter dado e com
as palavras que nunca gostaria de ter dito, Joaquim respondeu: “Sim, encontrei
nosso filho, encontrei o corpo dele no Instituto Médico Legal no Rio”. Após
dois dias de procura, Joaquim encontrara seu único filho no necrotério da
capital. Seu corpo estava praticamente intacto, a não ser por um grande corte
lateral que se iniciava por sua testa e transpassava sua têmpora. E naquele momento,
Neusa morreu, e sua morte física só seria efetivada alguns muitos anos depois.
Aquela família viveu com a morte de um filho e irmão, e de uma esposa e mãe durante
os anos seguintes.
Início da década de noventa: “quarenta graus”
marcado por quase todos os pontos do estado, dou um beijo em minha mãe depois
do almoço e digo “Tchau mãe, mais tarde estou de volta”, ando alguns metros até
chegar à Estação de Juscelino, o trem chega, lotado, e com uma dezena de jovens
encima dele, os “surfistas de trem”. Passo o dia inteiro na escola, chego tarde
em casa, janto e vou me deitar. Em momento de insônia vejo uma caixa velha que
está prestes a ser jogada fora por minha mãe. Fico curioso e passo a remexer
alguns papeis e velharias. Em um dado momento acho uma foto bem antiga, em
preto e branco, de um rapaz jovem e com um primeiro bigode não raspado, na
parte de trás da foto está escrito “Com amor para mamãe Neusa, 1959”. Neusa era
o nome de minha vó. Depois daquele dia, nunca mais minha vida seria a mesma.

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