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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

o reluzir da faca


gula



A sala estava pronta. Com aquele verde que poderia ser reconhecido em qualquer lugar do mundo. Rabada com agrião. Todos em volta daquele corpo, daquele ser. Todos pensando em cortes precisos. Suturas finas. Maminha. Procedimentos perfeitos. O corpo pesado friccionava suas costas na mesa cirúrgica, fria, apesar do acolchoado. Costelinha. O médico com sua máscara, também verde. Agrião, de novo. Traçava os pontos onde o bisturi iria transpassar. Chuleta. Cento e trinta e um quilogramas de massa: músculos e gordura, muita gordura. Torresmo. Enfim, banha a beça. O paciente com seus olhos lacrados pelo adesivo hospitalar não fazia ideia que suas entranhas brilhavam expostas a um pequeno conjunto de pessoas estranhas a ele, e às suas próprias entranhas. A cirurgia não era somente para reduzir seu estômago, mas também fora necessária para a retirada de todo aquele abcesso adiposo, que destruía e obstruía todo aquele grande volume humano jogado sobre a tábua de cortar pessoas. O pequeno instrumento já tinha realizado seu trabalho e agora já poderíamos avistar as nuances do estômago. A víscera se encontrava amplamente estendida. Intestinos, fígado, lasanhas, pernis, lombos e linguiças. Carne e desejo ao mesmo tempo. Uma pinça com dentes e um lacre moderam o órgão digestivo do indivíduo. Feijoada. Um pequeno filete de sangue escorria após o parcial fechamento da víscera. Coca-cola. A gordura lipoaspirada. Aquele tecido amarelado e suas gotículas grudentas. Picanha. O fechamento minucioso daquele enorme ventre e tudo que nele havia. Porém uma agitação incomum se iniciou. O paciente parecia tentar acordar. Se mexia. Inquieto. Os olhos tentavam abrir. A equipe preocupada gritava pelo anestesista que já havia saído da sala fazia tempo. A linha cirúrgica unia as duas partes separadas do eloquente abdomem. Bobó de camarão. A sudorese e o aumento dos movimentos do paciente preocupavam a equipe. Ele poderia levantar-se a qualquer momento. E nada do anestesista reaparecer. Os engates da pele revelavam as dobras e excessos de alguém que não tinha pudor das delícias da vida. Dobradinha. De repente os olhos se abriram. Ergueram-se. Junto com os olhos, o pescoço. Quem eram aquelas pessoas? Aquela faca. O olho e a faca. E neste momento o médico não vê outra saída. Vai enfiar novamente aquela lâmina aguda naquele corpo e dirá que houvera uma complicação durante a operação. Estava cansado, não queria refazer tudo novamente, recosturar aquela banha nojenta. O homem recém acordado percebia a intenção no olhar daquele sanguinário doutor cirurgião. Não havia escapatória. Sua última ação em vida foi ver o brilho daquele bisturi com cheiro de morte vindo em sua direção.

E no momento em que a ponta afiada risca novamente a pel...

-Benhê! Acorda! Acorda! Isso é um pesadelo! Acorda que amanhã temos aquele rodízio de frutos do mar que você a-do-ra!

E o homem absorto de alívio, enxuga o suor, refaz-se do susto, e volta a pensar nas delícias que lhe esperam no dia seguinte. "Viva o bom apetite", pensa ele. Viva.


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Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

3 comentários:

Fessora disse...

Não tinha espaço para um alfajorzinho, não????

jorge disse...

nesse só faltou o azeite...

Tathiana Treuffar disse...

Gostei dos contrastes: entre as narrativas cirúrgicas, as diversas comidas. Deu uma sensação confusa no início, lembrou-me o filme "O homem a mulher o cozinheiro e o amante" (acho que o nome é esse), onde um homem deitado numa mesa é servido como um jantar... mas gostei dessa 'confusão'. Só não sei se depois de um sonho desses eu teria apetite...

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O autor

Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.

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