As ondas dos cabelos se confundiam com as do mar, pois este batia braviamente contra a proa. O barqueiro carregava o leme em mãos de aço, enquanto o passageiro, náufrago de sentidos, viajava incólume à tempestade. O destino desconhecido, o caminho tortuoso, a partida esquecida. O que lhe ocorria era só aquela lembrança nebulosa de sentimentos, de névoa em pessoas. Rostos, peles, cheiros, aromas, gostos. Mas nada claro, tudo turvo, sem sentido. A única percepção é de que as lembranças eram boas, uma sensação feliz de algo bem feito, terminado. As ondas batiam ardidamente às suas costas e o torpor não o fazia perceber nada. Tinha somente a certeza de não saber onde iria chegar. O condutor continuava em seu leme imbatível e o passageiro o ignorava, como todos os que carregam duas moedas sobre os olhos. O barqueiro sorria o sorriso invisível de mais um serviço bem feito, entre o ir e o vir. Pois o que nos traz,
também é o que nos leva.
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2 comentários:
Muito bonito... legal mesmo.
Você escreve bem. Beijo!
Vinha eu lendo lendo esta beleza e cá lembrando de Dante, em sua Comédia. De fato, Caronte, o barqueiro, sempre presente em nossas vidas. Que esse encontro não se dê, antes das malas estarem prontas.
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