Este documento, com seu relato baseado em uma situação estritamente pessoal, pode esclarecer que certas problemáticas independem da cor da pele, e que os desafios não se restringem ao ensino básico, mas se estendem a todas as instâncias da educação no Brasil. Tentei ser professor de sociologia no ensino médio público pelo estado do Rio de Janeiro, porém não consegui ficar por muito tempo, portanto, meus apontamentos ficam restritos ao "Oásis Acadêmico" nacional, nossas maravilhosas e democráticas "pós-graduações".
O DESENCANTAMENTO DE UM JOVEM BRASILEIRO
Gostaria realmente saber quando este país que habito e da qual possuo a mesma nacionalidade, este país chamado Brasil, será realmente um país formador de verdadeiros cidadãos e se preocupará com a formação de seus professores e a educação de seus jovens.
Minha situação vivida é límpida para demonstrar as discrepâncias e curiosidades deste país sui generis.
Após meus pais terem conseguido pagar o meu ensino fundamental em medianas escolas particulares, consegui passar e concluir o antigo segundo grau técnico no Centro Federal de Ensino Tecnológico (CEFET/RJ). Ao final do ano de 1998 formei-me Técnico em Estradas pelo mesmo CEFET/RJ. Algumas muitas greves passei nesta instituição, greves estas que se repetiriam até os dias de hoje, pois continuei meus estudos em instituições federais de ensino.
No segundo semestre do ano 2000 adentrei ao curso de Ciências Sociais na UFRJ, tornando-me bacharel e licenciado ao final do ano de 2004, ano este em que também consegui adentrar ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da mesma UFRJ. Lembrando que durante todo meu curso de graduação eu trabalhava concomitantemente em uma firma prestadora de serviços da Polícia Federal, trabalho este que foi minha fonte de sustento até o final de 2004. Neste mesmo final de ano prestei e passei no concurso para o magistério em sociologia na rede estadual de educação do Rio de Janeiro.
Devido à minha colocação no processo de admissão no PPGSA, fui contemplado com uma bolsa do CNPq, bolsa esta no valor R$ 855,00 reais. A previsão de pagamento desta bolsa era para Março de 2005, porém a mesma só foi liberada em Junho do mesmo ano. Obviamente que eu teria que comer, transportar-me, vestir-me, enfim, sobreviver desde o começo do ano, já que não tinha nenhuma outra fonte de renda.
Comecei portanto minhas atividades como professor de sociologia da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, atividade esta que me transborda (transbordava) de orgulho e que me proporcionou a oportunidade de lecionar na mesma escola, em Mesquita, onde meu pai estudou em sua infância. Eu era professor da escola onde o homem que me fez surgir ao mundo se formou. Um belo ciclo se fechava. Possuía somente uma matrícula e minha renda pelo Estado não ultrapassava R$ 500,00 reais.
A partir de Junho, quando comecei a receber minha merecida (acredito eu) bolsa, passei a somar o valor de R$ 1.355,00 reais mensais para a minha sobrevivência. Porém sabia de uma regra do CNPq que impedia a concomitância entre a bolsa e uma outra fonte de renda. Ao final do mês de Agosto fui informado que tinha sido devidamente “denunciado” sobre as minhas atividades “ilegais” e que a qualquer momento poderia perder minha bolsa, ser processado e ter que devolver todo o absurdo montante que já tinha obtido “ilegalmente”.
Após todo um processo de angústias e reflexões cheguei a algumas conclusões que não sei, realmente, se são ou serão pertinentes:
· Cada vez mais os cursos de pós-graduação das instituições públicas tornam-se locais de bajulação e favorecimento, visando o “puxa-saquismo” para o pagamento de bolsas e verbas públicas ao “incentivo” à pesquisa. [Não negando que o desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental para o crescimento de qualquer país, porém com investimento maciço, programado e planejado, principalmente];
· O total descolamento e a separação proposital entre o teor do ensino tecnológico e humano de “alta” capacitação (pós-graduação) e o ensino ministrado nos níveis médios e fundamentais em todo o país. Lembrando que este ensino é fornecido, em ambos os casos, com dinheiro e verbas públicas;
· A visão de que um futuro professor universitário não deve ficar perdendo seu tempo, esforço e dinheiro tentando ser um professor do ensino médio público no Brasil.
Para concluir minha quase odisséia venho dizer que fui “saído” da minha função de professor do estado, pois se não o fizesse poderia perder minha bolsa e não poderia sobreviver com R$ 500,00 reais, mesmo sabendo que milhões de brasileiros conseguem fazê-lo e entendendo que isto não pode ser considerado orgulho e, sim, como única forma de sobrevivência de nosso sofrido e trabalhador povo. Tornei-me novamente e somente um mestrando, um nobre com sua magnífica bolsa e que se tornará um belo pesquisador, um excelente professor universitário e que daqui a alguns anos irá dizer que ainda está estudando e que descobrirá as mazelas educacionais de nosso país.
Ah! Já me esquecia... uma bolsa de doutorado no Brasil está por volta de R$ 1.300,00 reais, com as mesmas condições que a bolsa de mestrado.
Será que ainda preciso disso?
Despeço-me.
Besos.
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Um comentário:
Gracias por sus ojos, mi compañero Omar.
E respondendo a pergunta feita na carta acima...
Sim, eu ainda preciso disso. Escolhi ser um acadêmico e, portanto, preciso terminar meu doutorado e depois fazer o posdoc. Preciso mendigar bolsas ou torcer para que algum professor vá com a minha cara ou goste do meu tema de pesquisa.
Também reconheço que isso é uma escolha pessoal e que sabia (mais ou menos) o que a vida acadêmica me reservava. Apesar de todas as dificuldades ainda gosto da idéia de me tornar um pesquisador/professor, mesmo tendo que viver tendo privações financeiras.
Juro que não me vejo (ainda) como um louco, prestando concursos para fiscal disso, fiscal daquilo. Definitivamente não quero ser um "concurseiro". Tenho o sonho de ter uma carreira e viver minha vocação, e espero o dia que nosso país possa incentivar jovens a seguirem o mesmo caminho, sejam eles pobres, ricos, pretos ou brancos. Que nossos jovens não só escolham fazer o curso de Direito para depois terem a chance de fazer concursos. Viva a vocação!
Outra coisa: as bolsas são muito legais e importantes, mas faço um alerta! Elas são perigosas. Nos levam a uma acomodação periclitante. Tive bolsa de mestrado e não tenho bolsa no meu doutorado.
Hoje acredito que trabalhar como sociólogo fora da acadêmica seja uma maneira bastante poderosa de poder verificar a prática e não vivenciar somente e exclusivamente a teoria, se isso pudesse ser vinculado a uma bolsa (sob condições ao tipo de trabalho exercido), a vida de nossos futuros pesquisadores seria muito mais enriquecida de experiência e materialmente estável.
Quem sabe um dia, quem sabe...
Besos.
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