Acho que hoje, infelizmente, a música perdeu muito do lugar que já ocupou em minha vida.
Desde a adolescência a música foi um elemento fundamental para a minha formação intelectual e posso até mesmo dizer... moral. A música era a grande motivação que fazia trancar-me no quarto e ficar horas ouvindo as mesmas canções e os mesmos discos (eu ainda ouvia "vinil" quando era bem jovem). Essas horas serviam para as dores-de-cotovelo, para as reflexões sobre a vida, para os planos do futuro. E se puxar a memória pelos cabelos poderei encaixar vários momentos felizes e tristes que tive em trilhas sonoras pessoais, em "set lists" mentais, assim como nosso protagonista quase esquizofrênico da película "Alta Fidelidade".
A música fez com que aos 20 anos me aventurasse com um amigo e passasse a cantar em bares de Nova Iguaçu, no longínquo ano de 1999. E digo, foi muito bom, foi maravilhoso. Não ganhava dinheiro, não cantava muito bem, mas o prazer de fazer, de estar lá, de arriscar, isso não se perde, fica presente, como uma memória latente e que pode ser resgatada nos momentos de fraqueza, de covardia. A música encorajou-me a estudar sua teoria na Escola de Música Villa-Lobos e de ter alguma erudição de suas histórias, letras e melodias.
Minha casa sempre foi musical, lembro de minha mãe cantando Maria Bethânia, lavando roupa, e eu no carpete, ouvindo e internalizando (mesmo sem saber) o gosto pela música, o gosto pelas canções. Em minha sala, durante muitos anos, não houve televisão (e ainda não há), havia somente um rádio. Primeiramente uma rádio-vitrola, depois os "aparelhos de som", com toca-fitas k7, depois com o CD. Porém hoje não tem mais rádio em minha sala, depois que o aparelho antigo quebrou não foi comprado nenhum outro. Obviamente que o próximo terá que ter MP3 e todos os avanços que forem surgindo, mas outro aspecto mudou...
Atualmente baixamos tudo pela internet, qualquer cantor, qualquer banda, basta aparecer rapidamente na mídia e no dia seguinte está tudo disponível, é só ir lá e baixar. E não venham com a balela de pirataria, eu não vendo ou faço gravações em alta escala para comercialização de músicas em MP3 e vocês também não. As gravadoras que arrumem uma estratégia de nos oferecer formatos exclusivos com preços decentes, já ficaram milionárias às nossas custas e às custas dos artistas.
O que digo é sobre a gana pela procura, pelo que demorava ser descoberto, de "achar" algum artista novo pelo rádio e contar a novidade a seus amigos. A pergunta que lhes faço é: - Vocês ligam o rádio e ouvem 3 canções seguidas de artistas que vocês não conhecem? Dúvido. O rádio virou um lugar comum, um cansativo jogo de cartas marcadas, não precisa de jabá, basta a obviedade. Não consigo mais ligar o rádio e ter que ouvir exatamente as mesmíssimas coisas. Então o que nos resta é a internet. Mas juro para vocês, não é a mesma coisa. Não fornece o mesmo prazer. Uma coisa é ligar o rádio, sentar no sofá e viajar. Outra coisa é ligar o computador, clicar no Winamp, ficar vendo 500 páginas e quando se dá conta, o álbum terminou e você não ouviu, percebeu, viajou, amou, refletiu, riu, chorou, não fez nada, absolutamente nada com aquelas canções, sejam boas ou não.
Não sou purista, nem saudosista, quem acompanha o PSQC já pode perceber isso, não gosto desses chatos que vivem falando que no "tempo deles era muito melhor", minha posição está clara em textos como o "Gerações", dêem uma olhada. Mas tenho que admitir que o mundo musical popular está em transformação, com mudanças que sinceramente não sei se são para melhor ou pior. Só sei que, hoje, digo a todos que morro de saudades de me trancar em meu quarto e ouvir aquele velhos vinis arranhados de minha adolescência.
E depois desse desabafo musical, vamos aos álbuns que têm feito minha cabeça ultimamente. O primeiro deles é esse:
Amendoeira - Bebeto Castilho
Biscoito Fino (2006)
Produtores: Kassin e Marcelo Camelo
Amendoeira é um álbum raro. Raro por sua beleza e raro por contar um músico pouco conhecido do grande público. Bebeto Castilho foi um dos integrantes do antigo grupo Tamba Trio, onde tocava baixo elétrico e flauta. O Tamba Trio foi um dos mais importantes grupos da fase bossa nova de nosso cenário musical, na década de 1960. Sua música era carregada de tons jazzísticos onde uma bossa nova instrumental de alta qualidade era elaborada por grandes músicos, um deles, Bebeto Castilho.
Bebeto é tio-avô do popular e aclamado cantor e compositor da banda Los Hermanos (?), Marcelo Camelo. E foi o sobrinho-neto, conjuntamente com Kassin (também produtor dos Hermanos), que trouxe e encontrou o ponto exato para o re-surgimento do flautista e baixista. Bebeto Castilho tem uma voz pequena, de curto alcançe, uma voz de músico, de um músico que canta, e a influência do trompetista americano Chet Baker é clara em seu canto.
O álbum é preciso, enxuto, bem arranjado, com harmonias bem elaboradas e muito bem tocado. Além de parcerias que asseguram um contraponto interessante à voz sem grandes variações de Bebeto.
O álbum nos brinda com uma série de sambas, temos A Vizinha do Lado (Dorival Caymmi), Sabiá da Mangueira (Bendito Lacerda / Erastófenes Frazão), Ora Ora (Almany Greco / Eduardo Gomes Filho) e Infidelidade (Ataulfo Alves / Américo Seixas). Sambas históricos, singelos e com melodias redondas e belas, delicadamente cantados por Castilho. Na humilde opinião do PSQC temos uma das faixas mais bonitas já produzidas nos últimos tempos na música brasileira, Beijo Partido (Durval Ferreira / Regina Werneck). Com participação de Nina Becker (Orquestra Imperial) esta canção tem tratamento orquestral irretocável, com belo contraponto entre a voz doce de Nina e a aspereza experiente de Bebeto.
Seguimos com a bela Amendoeira de Camelo e Minha Palhoça (J. Cascata), esta última com participação do veterano baterista Wilson das Neves. Porta do Cinema (Luiz Souza) é uma composição do irmão de Bebeto, avô de Camelo e já falecido, canção com letra esperta e boa melodia, com particiapção nos vocais de Marcelo Camelo. Pode Ser? (Geraldo Pereira / Marino Pinto) também conta com participação especial, nesse caso de Thalma de Freitas. Cabelos Cor de Prata (Silvio Caldas / Rogaciano Leite) e Gazela (Arlette Neves / Bebeto Castilho) completam o belo álbum com canções que falam da vida dos que chegam a uma fase mais experiente, assim como já feito por Zé Ketti. Porque Somos Iguais (Durval Ferreira / Pedro Camargo) fecha o trabalho com um tema instrumental, revelando que o Tamba Trio ainda corre vivo nas veias do velho novo músico.
Essa redescoberta de Bebeto é um belo achado da Biscoito Fino e que deve ser desfrutado por aqueles que têm mais alta estima pela música popular brasileira, sejam eles nascidos a poucos ou muitos anos atrás.
Boas canções!
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2 comentários:
Pois bem, voltaremos às sessões de madrugadas musicais, como sempre fazíamos.
Quando à "Amendoeira", tenho que dizer: "Porta de cinema" é a melhor faixa do álbum. Disparada!!!
Salvo minhas predileções sambísticas....
texto de gente grande! que q vc tá fazendo ai que nao tá colaborando para uma revista ou site de música, menino!? ;) vou procurar para ouvir...
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