A relação entre professores
e alunos é um mistério desde os primórdios do tempo. Quase indecifrável entre
os primeiros pés sujos de lama e cadeiras fixadas à terra, ideias peripatéticas
e proposições estáticas, mestres e discípulos, púlpitos e anfiteatros, mão e
palmatória, mente e coração.
O mistério que ronda este
entrelace de pessoas quase sempre tão distantes e distintas, teve cunhado seu
argumento na objetividade do conhecimento, de sua geração e transmissão, e há
razão para isso. Mas com o passar do mesmo tempo percebeu-se que o saber não se
resume somente ao que é aprendido materialmente ou intelectualmente. O
conhecimento é mais, muito mais. A arte do ensinar é um caminho de muitos
fluxos, onde se relaciona a vitalidade da juventude curiosa com os anos
calejados de muitas leituras e algum aprendizado forçado pelas rugas da vida.
Engana-se quem acredita que
nesta relação, o mestre, tutor, preceptor, ou simplesmente professor, possui
importância maior. Não. Seu papel de condutor de questionamentos o leva por
caminhos desconhecidos, onde no final de sua jornada perceberá que, e por fim,
quem acabou por mais aprender foi ele, desde que aceita, humildemente, a função
de mediador de angústias em estado de maturação. A juventude é um furacão de
vida que passa por nós somente uma vez. Porém a função sagrada do professor, consagração
neste momento por mim determinada, nos permite viver a juventude mais de uma
vez, e mais, e mais, e mais... O mestre sempre poderá beber da ambrosia dos tempos
novos, se estiver disposto a despertar sua alma a curiosos e indecisos ventos.
Porém nem todos os encontros
entre discípulos e mestres, alunos e professores, são felizes ou amáveis. Neste
contato sempre há de se considerar, mais uma vez, o tal do tempo, ou em uma de
suas determinações mais específicas que chamamos: história. A questão é que as
diferentes histórias coletivas e individuais podem estar vivendo momentos
diferentes, onde as perguntas não se coadunam, os desejos são diversos, as
intenções são opostas, a curiosidade é dispersa. Sim. Pode haver ódio e rancor
nesta delicada sintonia. E mesmo assim, quando as arestas estão expostas, algo
de bom pode ficar. Dizem que os mais odiados professores são, em sua maioria,
os mais marcantes, e que as classes mais exaltadas são as que apresentam os
reais desafios. Verdades e mentiras. Possibilidades e potências. Binômios. Ensinar
e aprender são conceitos irmãos, e como tal, brigam, discordam, afastam-se...
mas, como as relações familiares, se amam incondicionalmente e, em algum
momento, aqui ou lá, voltarão às boas. Pelo menos é o que dizem alguns.
Mas após este prelúdio, ou
prenúncio, venho revelar meu caso de amor com vocês, meus alunos.
Por que amo vocês? Não há racionalidade
acadêmica que possa explicar esse sentimento. Então o que sobra são as
imprecisas palavras de um poeta que tem a pretensão de ensinar e que pôde respirar, novamente, ares desbravadores.
Amo porque são belos. Amo
porque possuem espinhas na cara. Amo porque carregam o bom humor juvenil. Amo
porque se enxergam como uma turma, apesar de todas as diferenças. Amo porque são
preguiçosos. Amo porque gostam de festas. Amo porque fazem perguntas ingênuas, e
essas são sempre as melhores. Amo porque estudam em casa. Amo porque sofrem ao
estudar em casa. Amo porque sofrem e choram ao fazer provas. Amo porque chegam
à aula com a cara amassada e com sono após uma noite mal dormida por uma balada
qualquer. Amo porque, mesmo assim, lêem os textos e se preocupam com as notas.
Amo porque faltam às aulas, e no fim se preocupam com o que o professor vai
pensar sobre cada um de vocês. Amo porque os invejo, porque os vejo em mim, em
um passado que não voltará, a um momento que não poderei viver mais, não mais.
Amo porque são o espelho para que, às vezes, eu possa me revisitar e me
reviver. Amo simplesmente porque são os meus alunos.
E diante desta breve
experiência de vida que já carrego, o que posso deixar? Que pequenas lições
poderia dizer, sem o peso das regras exatas e dos ensinamentos cheios de
verdade. Deixarei, portanto, um pouco do que vi e vejo, nos dias e noites em
que procuro ser uma melhor pessoa e viver em um melhor lugar, em um melhor
país.
Digo. Amem-se como colegas,
amigos, companheiros. Nunca viverão novamente o que estão vivendo agora. O
desafio do conhecimento só se torna uma aventura feliz quando se é vivida
coletivamente, com amigos queridos. Curtam as festas, as danças, as músicas, os
encontros, os romances, as separações, as brigas.
Não se esqueçam que nem
todos os que convivem com vocês serão realmente seus amigos, mas guardem um
espaço na memória e em seus corações para eles. Lembrem-se, vocês irão brigar!
Deixarão de falar uns com os outros e talvez nunca mais refaçam as pazes, mas
não se esqueçam de jogar fora todas as mágoas, elas ocupam um lugar precioso.
Não esqueçam seus pais, seus familiares, seus amigos de infância, amigos da
rua... Se hoje estão na casa do saber, lembrem-se que aqui estão porque outras
pessoas os conduziram.
Não se esqueçam da sala de
aula, de suas cores, luzes e cheiros. Não se esqueçam dos ônibus lotados. Não
se esqueçam das moças que limpam o prédio e os banheiros. Não se esqueçam do
dinheiro minguado para o almoço e as fotocópias. Não se esqueçam dos
funcionários da secretaria, eles podem ser muito importantes para vocês. Não se
esqueçam do professor chato. Não se esqueçam do texto impenetrável. Não se
esqueçam da greve. Da falha. Da falta. Das provas. Das broncas. Dos afagos. Das
piadas. Das risadas. Dos abraços. Dos beijos. Do bocejo. Do gracejo. Não se
esqueçam!
Não, não se esqueçam de...
mim.
Obrigado por tudo.
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