Minha alma se desprendeu de mim e agora vaga perdida entre as ruas de Nova Delhi. Perdeu-se em um dia de chuva forte nos becos sujos do bairro de Saket. Percorreu as estradas perdidas do oriente e viu pessoas, vacas e lama. Olhou os deuses, as cores, as mesquitas e os templos. Esbarrou com os meninos sujos, quase negros, de sorrisos pobres, vendendo pedras fingindo serem obras de arte. Entrou nas favelas mais favelas que já tinha visto, e falou com as pessoas mais miseráveis e sorridentes que podia ter conhecido. Assistiu a um cortejo colorido e doloroso, onde os gritos e as dores podiam ser ouvidos até mesmo no Nirvana. Sentiu o calor fedorento de Lucknow, entrecortando as noites das ruas abarrotadas de gente que pareciam não saber o que fazer. Atravessou as terras arianas nos trilhos perigosos, em cubículos de ferro onde o sono morria de medo de dormir. Espantou-se com as terras de Sarnat e suas obras eternas e místicas. Deu um olá ao Buda, sorriu e chorou. Minha alma se fragmentou nas terras de Goa, na praia de Vasco da Gama, onde palavras lusitanas se fizeram ouvir. Espalhou-se nas casas e famílias que conheceu. Impregnou-se do alimento com as mãos comida e que ainda se encontram nos dedos etéreos de suas membranas invisíveis. Apaixonou-se pelas mulheres cor de barro escuro, com suas manchas vermelhas nas testas, seus desenhos nas mãos e pés, seus brincos, colares e sáris. Encantou-se com os homens lânguidos e simpáticos que sempre levam as mãos aos céus e dizem sinceros “namastê”. Minha alma desgarrou-se de mim enquanto andava perdido sem saber aonde ir entre as avenidas e estações da cidade nova. Esgueirou-se em cada canto, cada aroma de sândalo que pode sentir nas calçadas estranhas que se colocavam aos olhos, aos meus olhos. E quando fui embora ela sequer se despediu de seu dono. Sumiu como um rato assustado e assim ficou, lá, com aquele povo estranho, de língua difícil de entender, de cultura tão distante que perguntamos se somos irmãos. Sim, somos. E desde então vago sem ela, sem alma, vazio, carrego minha tristeza para ver se encontro outra alma, uma nova, em algum outro lugar, que possa preencher minha dor, meus defeitos, minha covardia. Ando, às vezes, perseguindo aquele cheiro de agridoce que só tinha sentido naquele lugar, e que nunca mais encontrei, nunca mais. Distraio a atenção para encontrar nova alma que me possa encantar. Mas eu sei que um dia, um dia, volto à Índia para pegar aquela velha alma que deixei por lá. Ah volto.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
À indiana
Minha alma se desprendeu de mim e agora vaga perdida entre as ruas de Nova Delhi. Perdeu-se em um dia de chuva forte nos becos sujos do bairro de Saket. Percorreu as estradas perdidas do oriente e viu pessoas, vacas e lama. Olhou os deuses, as cores, as mesquitas e os templos. Esbarrou com os meninos sujos, quase negros, de sorrisos pobres, vendendo pedras fingindo serem obras de arte. Entrou nas favelas mais favelas que já tinha visto, e falou com as pessoas mais miseráveis e sorridentes que podia ter conhecido. Assistiu a um cortejo colorido e doloroso, onde os gritos e as dores podiam ser ouvidos até mesmo no Nirvana. Sentiu o calor fedorento de Lucknow, entrecortando as noites das ruas abarrotadas de gente que pareciam não saber o que fazer. Atravessou as terras arianas nos trilhos perigosos, em cubículos de ferro onde o sono morria de medo de dormir. Espantou-se com as terras de Sarnat e suas obras eternas e místicas. Deu um olá ao Buda, sorriu e chorou. Minha alma se fragmentou nas terras de Goa, na praia de Vasco da Gama, onde palavras lusitanas se fizeram ouvir. Espalhou-se nas casas e famílias que conheceu. Impregnou-se do alimento com as mãos comida e que ainda se encontram nos dedos etéreos de suas membranas invisíveis. Apaixonou-se pelas mulheres cor de barro escuro, com suas manchas vermelhas nas testas, seus desenhos nas mãos e pés, seus brincos, colares e sáris. Encantou-se com os homens lânguidos e simpáticos que sempre levam as mãos aos céus e dizem sinceros “namastê”. Minha alma desgarrou-se de mim enquanto andava perdido sem saber aonde ir entre as avenidas e estações da cidade nova. Esgueirou-se em cada canto, cada aroma de sândalo que pode sentir nas calçadas estranhas que se colocavam aos olhos, aos meus olhos. E quando fui embora ela sequer se despediu de seu dono. Sumiu como um rato assustado e assim ficou, lá, com aquele povo estranho, de língua difícil de entender, de cultura tão distante que perguntamos se somos irmãos. Sim, somos. E desde então vago sem ela, sem alma, vazio, carrego minha tristeza para ver se encontro outra alma, uma nova, em algum outro lugar, que possa preencher minha dor, meus defeitos, minha covardia. Ando, às vezes, perseguindo aquele cheiro de agridoce que só tinha sentido naquele lugar, e que nunca mais encontrei, nunca mais. Distraio a atenção para encontrar nova alma que me possa encantar. Mas eu sei que um dia, um dia, volto à Índia para pegar aquela velha alma que deixei por lá. Ah volto.
O autor
Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.
O CULPADO OCUPANDO-SE DAS PALAVRAS
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