Esse texto faz parte de um conjunto de relatos do
professor Léo Rossetti a respeito do cotidiano de uma sala-de-aula, chamado
“Crônicas de um professor à beira de um ataque de nervos”. As historietas são
publicadas esporadicamente no Facebook, sem a preocupação de que os relatos
digam respeito necessária e integralmente à sua própria experiência docente. A
literatura não prevê a garantia da realidade. A imaginação e a suposição sobre
a realidade dos fatos narrados ficam por conta do leitor, o que torna a
literatura mais rica e mais interessante.
Escola pública em Duque de Caxias. Em sala de aula, um
professor de história, gay, bem-resolvido, militante, e seus alunos de uma
turma de 6º ano. A chatice da aula dá margem para assuntos mais interessantes e
discussões mais animadoras.
Aluna A (para o Aluno B): Seu viado!
Aluno B (para o professor): Professor, a Aluna A não gosta de viado! - disse o
estudante com a expectativa de que o mestre repreendesse sua colega. O professor
ignora.
(...)
Aluno B (novamente para o professor): Professor, a Aluna A não gosta de viado!
- bradou o aluno, enquanto o professor, em pensamento, confirmava a sua
suspeita: a suposição de que o aluno pretendia, tão somente, expor a
sexualidade do professor em sala de aula, na esperança de que o docente tomasse
partido da causa gay e, dessa forma, revelasse seu lado fúcsia. O professor
ignora.
(...)
Ao fundo da sala, ouvem-se sussurros. Uma aluna convoca a
presença do professor a fim de esclarecer uma demanda adolescente. O tema era
que o tal Aluno B estava perturbando o juízo da Aluna C, que desdenhava da
investida deste, ignorando-o com certo ar de superioridade, mas com riso nos
lábios. O professor pensa, obviamente, em uma tentativa de aproximação xavequeira
do garoto. Besteira! Um par de amigos que discutia sobre a vida particular da
menina. Mas o professor não sabia e pressupunha o prévio romance.
Professor: Se for para ficar de papo paralelo na minha
aula, avisa com antecedência, que eu ajudo nos preparativos do casório, mas
quero ser o padrinho, viu?
Aluna C: Sai fora, professor! Eu gosto de menina.
Enquanto o professor tenta recuperar seu cu, que caiu da
bunda e rolou pela sala no instante mesmo que a menina revelou sua preferência
sexual, o par de amigos tornou a divagar sobre qualquer coisa mais interessante
que um ânus rolante.
Aluna C: [sussurros]
Aluno B: É sim! Professor, o senhor não é gay?
Professor: Sim.
Aluna C: Não, tô falando do dever... - disfarçou a menina, estupefata, enquanto
despencava de seu corpo aquele orifício, que resolveu se juntar ao do mestre,
no chão da sala de aula, para também desfrutarem de seus minutos de fofoca.
(...)
Aluna A: (para o Aluno B) Cala a boca, seu viado!
Aluno B: Professor, a Aluna A tem preconceito com viado!
E, finalmente, o professor intervém.
Professor: Aluna A, é a terceira vez que você chama seu
colega de viado, como se isso fosse um xingamento.
Aluna A: É que eu tenho preconceito com viado, eu tenho.
Professor: Que bom, né? Pelo menos você reconheceu que tem. O primeiro passo
pra acabar com o preconceito é reconhecer que ele existe.
Aluna A: Mas eu não gosto nem de viado e nem de macumbeiro!
Professor: Então você vai ter que começar a não gostar de mim também...
Aluna A: Por que, professor?
Professor: Porque eu sou muito mais viado do que todos eles juntos.
Aluna A: Tá bom, professor, eu não tenho preconceito com viado não, só com
macumbeiro.
Aluna D: Nada a ver, eu sou macumbeira e não é por isso que eu vou fazer
macumba pra você!
Professor: Minha filha, você não tem que ter preconceito nem com viado, nem com
macumbeiro, nem com preto, nem com branco, nem com verde, nem com ninguém. As
pessoas são o que são, e elas são tão dignas quanto você.
Aluna A: Mas é que eu tenho medo de macumba...
Professor: Ahhhhh... então não é “você não gosta”, é “você tem medo”!
Aluna E: Ih, gente, cada um com a sua religião! Eu hein...
(…)
Aproximando-se do final da aula, o professor convoca cada
estudante para checar – no sentido de conferir, mesmo, pois passar cheque, sem a
presença do cu, seria impossível naquele contexto – o cumprimento das tarefas
propostas por ele aos seus alunos e alunas. Para sua surpresa, não é que a
aluna que não tinha mais preconceito com viados mas que não gostava de
macumbeiros foi a primeira a terminar a atividade?!
Professor: Aluna A, você foi a primeira a acabar, será a
primeira a ser liberada hoje.
Aluna A: Obrigada, professor!
E uma nova discussão surgiu na sala de aula, cujo
resultado implicou numa bolinha de papel que atingiu a menina que não tinha
mais preconceito com viados mas que não gostava de macumbeiros.
Aluna A: Pára, seu viado! – retrucou a menina, em alta voz.
Professor: Aluna A, mudei de ideia.
Aluna A: Não, professor, por favor!
Professor: Mudei, sim!
Aluna A: Desculpa, professor, desculpa! – redimia-se a pobrezinha.
Professor: Agora você vai ser a última! Vai ficar comigo até mais tarde.
Aluna A: Por que? – perguntou indignada.
Professor: Porque você precisa conviver mais com viados.
*Nota:
Esse texto foi adaptado e ampliado para publicação no PSQC.
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Léo
Rossetti é professor de história da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro e
da rede municipal do município de Belford Roxo. Militante dos direitos humanos,
tem se dedicado especialmente ao debate sobre os direitos das minorias na
educação. Especialista em História do Brasil e em Gênero e Sexualidade e mestrando
em Ensino de História (UERJ), é também ator e poeta. Assinou a coautoria do
livro Crônicas cariocas e ensino de história (2008), publicado pela
FAPERJ/7 Letras. Também escreveu Cores de um poeta inverso (2012),
coletânea de poesias autorais publicada pela Metanoia Editora. Em parceria com
outros autores, revelou-se escritor de contos eróticos gays através da obra Censurado:
sexo, taras e fetiches, publicada pela Lado B Edições em 2013. Atualmente
mantém o blog “Profissão História” e a página homônima deste blog no Facebook. Last
but not least, gay.