Este amor
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Desmedido
Este amor
terça-feira, 3 de agosto de 2010
O Elevador
O quadrado metálico media quatro metros de largura por seis de comprimento. Era uma das máquinas mais luxuosas do mercado. Fundido em seu exterior com titânio e uma liga de ouro que se mesclavam realizando alguns desenhos florais e contendo a sigla da empresa que o produzia em edições limitadas. Seu interior indicava uma decoração art déco em tons de bege e marrom claro, além de pequenos detalhes em rubro, para melhor receber os indivíduos que transitavam pelos corredores refinados da magnânima construção.
O jovem negro apertou o botão, feito de marfim sintético, esperou poucos segundos e logo adentrou ao elevador, seu andar era o trigésimo nono, o último da suntuosa torre. Era jovem, bem jovem, no máximo quinze anos... Talvez dezesseis. Uma mulher adentrou ao recinto mecanizado por roldanas, cabos e um pequeno computador interno, se encontrava no vigésimo quarto andar. Entrou, viu o provável adolescente e permaneceu em silêncio, esperando que o mostrador indicasse logo o T.
O aparelho descia tranquilamente, sem realizar nenhum ruído, e os dois seres humanos em seu interior encontravam-se afastados diametralmente, um em cada canto do retângulo, mantendo a maior diagonal possível. No décimo terceiro andar entraram mais dois homens. No horário de almoço o movimento era menos intenso no agitado complexo empresarial.
O primeiro dos homens a entrar era um rapaz alto, trajando um bem cortado terno azul marinho risca de giz. Cabelos curtos e negros. Íris verdes. Corpo aparentemente atlético. Ao entrar a primeira coisa que fez foi lançar os olhos sobre a mulher que ali estava. Um olhar rápido, discreto, como um soldado que está verificando o campo de batalha pela primeira vez. O segundo era um homem enorme. Media um metro e oitenta e cinco de altura e pesava uns cento e cinqüenta quilos, para ser mais exato, cento e cinqüenta e três quilos. Estava suando pra cacete! Parecia nervoso por algum motivo desconhecido, seu colarinho estava completamente encharcado, e suas axilas mostravam as indefectíveis marcas redondas que manchavam seu blusão rosa, de botão.
A mulher o observou e pensou [nojento!]. Vestia um tailleur cor de chumbo e sapatos scarpin de cor cinza escuro e pontas finas. Saia até os joelhos em um tom dégradé um tantinho mais claro que a peça de cima. Parte superior que delimitava um leve decote que pouco revelava o belo contorno de seus bustos recém re-siliconados. Olhos azuis. Seus cabelos eram tamanho médio, um pouco acima dos ombros, castanhos claros, alisados por escova progressiva, feita dois dias antes. Pele alva. Reparou o olhar veloz do homem de terno bem cortado.
O jovem negro era baixo, tinha cabelos crespos curtos. Olhos negros. Usava um boné vermelho do time de basquete Chicago Bulls. Também usava uma enorme e larga camisa branca, negra e amarela do time de hóquei norte-americano Boston Bruins, além de um grosso colar dourado. O homem gordo lançou um rápido olhar para o reluzente colar. Não dá para saber o que pensava naquele momento.
Estavam os quatro dentro daquele luxuoso aparelho que descia silenciosamente. O gordo e o rapaz de terno estavam próximos um do outro, logo ao lado dos botões com os números dos andares, na entrada. A mulher permanecia em um canto e o menino no canto oposto. Todos em silêncio, apesar de alguns fortuitos olhares.
De repente, ao cruzar o oitavo andar e chegar exatamente à posição equivalente ao sétimo andar e meio, o elevador dá um solavanco, pára e todas as luzes se apagam. [Saco!] pensa o homem de terno. [Logo agora...] pensa o gordo.
Silêncio. Silêncio. Silêncio.
- AI MEU PAI! PeloAmorDeDeusPutaQuePariuEuQueroSairDaquiTenhoUm
MedoFilhoDaPutaDeFicarPresaNumLugarEscuroEComGenteEstranhaPorra! – disse em voz estridente a mulher de tailleur cor de chumbo.
Logo após a esse pequeno desabafo a luz voltava ao recinto, porém a máquina continuava parada e aqueles olhos aflitos se entreolhavam. A mulher, envergonhada, pede desculpas: – Desculpa, gente! O homem gordo suava ainda mais e agora se encontrava completamente molhado. O homem de terno fitava o gordo com olhos complacentes e com alguma pena [gordo filho da puta, deve ser por sua causa que essa porra enguiçou].
O menino, pela primeira vez, dirige o olhar e a palavra à mulher, dizendo: - Dona! Fica tranqüila que logo logo eles consertam isso aqui, num demor... Ela o retruca: - Ô moleque, o que você entende de manutenção de elevadores de luxo? E ele: - Entendo um pouco [Patricinha de escritório escrota! Tá pensando que é alguma coisa?]. Ela diz: - É... Gente como você entende desse tipo de coisas mesmo...
O rapaz de terno tenta acalmar o ambiente falando para que todos fiquem tranqüilos e que esse tipo de problema é inteiramente normal. Era somente apertar o botão de emergência que em poucos minutos todos sairiam daquela situação sãos e salvos. A mulher gosta da fala do charmoso homem. A troca de olhares se intensifica. [Gostoso] ela pensa. [Gostei da roupa, deve ser executiva] pensa ele. [Gordo] pensa o garoto. [Pretinho cafona! Essa porra deve ser boy...] pensa o gordo.
O calor aumentava, pois se no recinto ainda havia luz, o ar condicionado estava desligado. O nervosismo e a temperatura subiam cada vez mais.
- Ô moleque, será que você não consegue sair pelo teto e chegar no próximo andar? – fala o belo homem de terno.
- E quem é tu pra me chamar de moleque? Você sabe com que... – tenta responder o rapaz.
- Cala a boca aí ô pivete! – grita o gordo, interrompendo-o.
- É isso aí, cala a boca mesmo – confirma a mulher.
- E tu? Maior chorona covarde! – caçoa o jovem.
O gordo nesse momento não se agüenta e gargalha. No mesmo instante a mulher enfurecida solta: - Não ri não, não ri não, seu gordo seboso e nojento. Deve ter sido por sua causa que esse elevador parou! Se você não fosse tão obeso essa porcaria não ficaria aqui parada e ainda por cima fedendo a suor.
O gordo engole a seco. E o silêncio retorna ao recinto... Um soluçar. Um pequeno barulho. Um barulhinho. Um choro. O homem gordo começa a chorar. Começa a chorar copiosamente. Chora como uma criança que perdeu o sorvete de creme que acabou de ir ao chão. Ele adorava sorvete de creme quando era criança.
Mais uma vez o rapaz de terno tenta acalmar as coisas dizend...
- Cala a boca seu playboyzinho de merda – grita o homem que ainda chorava – Quem é você para tentar me consolar? Você tá dando uma de bonzinho só porque quer comer essa gostosa metida à besta!
O belo rapaz abre a boca, mas nada sai de seus lábios.
Não havia mais a possibilidade de se mensurar o tempo naquele local. Uma eternidade de segundos fazia parte de suas vidas naquele luxuoso, fedorento e estacionado elevador. Porém mais que de repente a luz volta a cair, todos gritam, a luz volta e aparentemente o ar condicionado retorna o seu zunido. A máquina começa a se mexer lentamente, descendo, voltando ao movimento para a chegada definitiva ao sétimo andar. É quando ocorre um forte estrondo, a luz se apaga, a velocidade aumenta, um puxão brusco e intenso joga todos ao chão. O elevador cai violentamente.
Em uma das inúmeras manchetes do dia seguinte lê-se:
“ACIDENTE EM ELEVADOR DE LUXO MATA QUATRO PESSOAS
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
O autor
Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.
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