A luz encerra seu expediente.
O ambiente dá as boas vindas à escuridão.
Nada mais há.
Só a sala esquecida em seus retalhos.
A tela da máquina divide seu espaço na mesa.
O porta retrato contém a imagem do casal.
O significado das coisas.
As coisas.
A caneta repousa em cima do papel branco rasgado ao meio.
A tinta nela contida está prestes a derramar-se.
Pronto.
Gotas pingam sobre a face que até pouco alva estava.
Permanecem empilhados um sobre o outro.
Agenda.
Caderno.
Grampeador.
Todos ali.
Existindo.
Na ausência.
Agora frestas de luz chegam do poste que por perto pisca.
Pisca.
Pisca.
Uma formiga.
Jantava um grão da bala derretida e esquecida dentro da gaveta aberta.
Caminha.
Em sua velocidade de formiga.
Tropeça no apontador.
E continua.
Passa em frente à caixa que contém os rostos do casal.
Imune à imagem que reflete a pouca luz que ali existe.
Um grampo cai ao chão.
Resvala na lixeira.
O ruído de sua queda não chega a ninguém.
A formiga com seus ouvidos de formiga não ouve.
O casal da foto olha para frente e vê a maçaneta.
A maçaneta não sabe de sua existência.
Ninguém sabe o que pensavam no momento em que posaram para o retratista.
Nem a formiga.
Nem a tela.
Nem a caneta.
A tinta negra escorre e também chega ao chão.
Perto do grampo caído.
Estão próximos.
O grampo não sabe da existência do negro líquido, não sabe que é negro.
O mosquito toca com suas presas o rosto da mulher.
Não sabe que sangue ali não há.
Ninguém sabe o que pensavam no momento em que posaram para o retratista.
Não sabe.
A formiga morre ao cair do grampeador empilhado sobre a mesa.
O ruído que seu corpo fez ao cair ao chão ninguém ouve.
Nem o grampo.
Nem o mosquito.
O mosquito zumbe em seu vôo de fome.
Ninguém escuta.
Nem a tela.
Nem a caneta.
As frestas de luz ficam mais fortes.
O Sol lança seu perfume quente sobre as coisas.
Mas o Sol não sabe da tinta derramada, da formiga morta, do mosquito faminto.
O Sol somente aquece.
Chegam.
A lâmpada é acesa.
A porta é aberta.
O chão é pisado.
E agora?
Neste momento.
Neste exato momento.
Tudo.
Todos.
Formiga, grampo.
Mosquito.
Coisas.
Tudo sentido faz.
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2 comentários:
Gosto muito de ler as coisas que tu posta aqui no blog. Leio sempre alta voz, é bom! Me sinto até alguém. (Risos)
Adorei! Genial! Curioso!
Divertido! Fabul(a)o(u)so!!!
Aproveito para também agradecer as suas palavras sobre minha canção para o Dalai Lama. Obrigada!
beijos,
Tathi.
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