segunda-feira, 25 de maio de 2009
infância (in)ventada
Tu não pertences mais a mim.
Vives em outra esfera.
Em outra ambiência.
Afastada de minha essência.
Voas como pipa perdida, avoada.
Pelas marolas do vento.
Às vezes, encarcerada num convento.
Distante.
Como memória encardida.
Mas como? Se nunca aprendi a soltar pipas.
Um dia meu pai tentou ensinar-me, em vão.
Deve ter sido por isso que não soube controlar-te.
Aprisionar-te em mim.
Ficaste perdida nos emaranhados dos sentidos.
No labirinto do tempo.
E hoje, de vez em quando, tu voltas.
Com espinhos em mãos.
Como coroa pesada, em minha nuca.
Não sinto tua falta.
Mas que...
Mentira!
Tua volta inconstante me alegra.
Infância passada.
Mulher amada.
Onde estás agora?
Volta!
Decifra o labirinto.
Traz contigo o vento, o tempo.
E todos os outros que levaste também:
Bonecos de chumbo.
Futebol na terra.
Subidas nas árvores.
Amigos de rua.
Volta!
Só de vez em quando.
Para lembrar-me dos gritos de mãe.
Das fofocas de vizinhas.
Das brigas de moleques.
Dos ciúmes de irmão.
Traga o cabelo branco do meu bom velho.
A odiada saudosa escola.
Os almoços de domingo.
Os medos do homem da sacola.
Enevoe minhas imagens.
Confunda minhas estórias.
Iluda a realidade.
Refaça as glórias.
Volta! Mas só de vez em quando.
Porque agora tenho nova vida.
Nova estrada e algumas feridas.
E a vontade cada vez maior de respirar.
Cada vez mais. Cada dia a mais.
Para fazer-me de novo criança.
Para fazer nova criança.
E reviver-te de novo em outros ais.
Agora despeço-me e digo.
Que aqui estou sob medida.
Para falar-te a qualquer instante.
Que logo logo é despedida.
Mas vamos juntos.
Navegando nosso barco.
Minha amada e maculada.
Minha velha e doce...
Amiga.
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
O autor
Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.
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4 comentários:
Gostei! Ainda hoje estava falando de infância... da sensação que já é permanente de algo que se rompeu entre o antes e o agora. Minha infância é outro-eu. Tão longe que já não sinto como parte de mim. Personagem de outra história... A máscara que visto agora é tão nova que me parece sem rosto. E no entanto às vezes sufoca...
Beijos,
Tathi.
Que lindo Vini...
Vc tem que lançar um livro !
voltei pra dizer que tua infância inspirou a minha...
beijos.
lindo isso!!!
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