sábado, 30 de maio de 2009
Ramon
Ramon era o cachorro de meu avô e de minha avó.
Vivia com eles quando eu, meu pai, mãe e irmão nos mudamos para a casa deles.
Quando minha vó morreu eu ainda era muito criança.
Acho que Ramon morreu antes de minha avó.
Não sei a razão, mas acho que ainda recordo da partida de Ramon.
Foi enterrado no quintal da casa de meu tio, em frente à casa do meu avô.
Lembro, eu era criança.
Ele foi enterrado em um saco de plástico, daqueles que são feitos de fiapos entrelaçados.
Acho que era um saco de arroz.
Não lembro.
O buraco foi cavado.
E eu estava ali, criança, vendo adultos sorrindo e conversando, cavando distraidamente um buraco.
Como se nada ali houvesse.
Como se nada tivesse acontecido.
Disso eu lembro.
Seu corpo foi colocado na cova e lembro também de ter visto um pó branco.
Tempos depois descobri que era cal.
Ramon era um vira-lata robusto misturado com pastor alemão, eu acho.
Talvez.
Lembro que eu chorava meio que sem saber o motivo.
Só sei que era criança e que chorava.
Sentado em uma mureta.
Ou em pé?
Não sei.
Só lembro que...
Chorava sozinho.
E sem saber porque, hoje, com 30 anos, revi a imagem de Ramon.
E sem saber porque, novamente, me peguei chorando sozinho.
E mais uma vez, lembrei, talvez, não sei.
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segunda-feira, 25 de maio de 2009
infância (in)ventada
Tu não pertences mais a mim.
Vives em outra esfera.
Em outra ambiência.
Afastada de minha essência.
Voas como pipa perdida, avoada.
Pelas marolas do vento.
Às vezes, encarcerada num convento.
Distante.
Como memória encardida.
Mas como? Se nunca aprendi a soltar pipas.
Um dia meu pai tentou ensinar-me, em vão.
Deve ter sido por isso que não soube controlar-te.
Aprisionar-te em mim.
Ficaste perdida nos emaranhados dos sentidos.
No labirinto do tempo.
E hoje, de vez em quando, tu voltas.
Com espinhos em mãos.
Como coroa pesada, em minha nuca.
Não sinto tua falta.
Mas que...
Mentira!
Tua volta inconstante me alegra.
Infância passada.
Mulher amada.
Onde estás agora?
Volta!
Decifra o labirinto.
Traz contigo o vento, o tempo.
E todos os outros que levaste também:
Bonecos de chumbo.
Futebol na terra.
Subidas nas árvores.
Amigos de rua.
Volta!
Só de vez em quando.
Para lembrar-me dos gritos de mãe.
Das fofocas de vizinhas.
Das brigas de moleques.
Dos ciúmes de irmão.
Traga o cabelo branco do meu bom velho.
A odiada saudosa escola.
Os almoços de domingo.
Os medos do homem da sacola.
Enevoe minhas imagens.
Confunda minhas estórias.
Iluda a realidade.
Refaça as glórias.
Volta! Mas só de vez em quando.
Porque agora tenho nova vida.
Nova estrada e algumas feridas.
E a vontade cada vez maior de respirar.
Cada vez mais. Cada dia a mais.
Para fazer-me de novo criança.
Para fazer nova criança.
E reviver-te de novo em outros ais.
Agora despeço-me e digo.
Que aqui estou sob medida.
Para falar-te a qualquer instante.
Que logo logo é despedida.
Mas vamos juntos.
Navegando nosso barco.
Minha amada e maculada.
Minha velha e doce...
Amiga.
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quarta-feira, 20 de maio de 2009
não há nada a dizer, o poema
espremam-se vermes! nos cantos das valas.
nas beiras das encostas. aquietem-se em seus gritos
surdos. porque aqui ninguém há de escutá-los.
ouvidos não há!
não há nada a fazer.
aglomerem-se em esperanças vãs.
de dias cheios de alegria. de contentamento.
mas o que irá restar são somente mãos cálidas de lutas
inglórias, e fome, e miséria.
não há esperança.
a crueldade é perpetuada historicamente. e essa evolução
de maldade há de continuar.
porque os mantêm na barbárie.
afastados de sua capacidade de decidir.
de saber.
de escolher.
são desterrados de suas próprias almas.
não há redenção por esperar.
parem de gritar! é vão! chorem por suas crianças mortas
em pias, em privadas, latrinas. porque nada há de mudar.
porque não querem.
porque iludem os olhos.
porque ouvem a música.
porque lacram as lágrimas.
essa revolta revoltada e sorumbática serve
somente para os que realmente não sofrem.
para os que fingem.
para os que fingem sofrer.
calem-se!
morram felizes,
pois na próxima vida tudo poderá melhorar.
não gritem por justiça.
ela não há!
não há nada a dizer.
vão dormir! pobres mudos, imundos.
mas junto-me a vocês, nesse lamento inaudível,
pessoas que nasceram na lama e que para ela voltarão.
não há nada mais a aguardar.
não. não há nada a dizer.
não há nada.
não há.
não.
ar.
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segunda-feira, 18 de maio de 2009
segunda-feira, 11 de maio de 2009
bebum
Boa é a vida. A vida. O vinho? Dane-se o vinho.
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sábado, 9 de maio de 2009
O próprio opróbrio*, por Rodrigo Viegas
Sinto falta do homem que nunca fui.
Sinto falta do homem que nunca...
Sinto falta do homem que...
Sinto falta do homem.
Sinto falta do...
Sinto falta.
Sinto.
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*opróbrio:
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=opr%C3%B3brio
sexta-feira, 8 de maio de 2009
CONCURSO DE CONTOS DO PORTAL LITERAL
Estou participando de um concurso no Portal Literal, com o conto "A terra do sempre". O conto que for mais votado será publicado em uma revista de literatura. Portanto, se quiserem dar uma força ao amigo que vos escreve, é só dar um pulo no Portal Literal, fazer uma rápido cadastro, e votar no conto "A terra do sempre". Disponibilizo o link do texto:
Agradeço desde já a todos os amigos.
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Esquecimento (Memento)
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VRA
sexta-feira, 1 de maio de 2009
perdão
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O autor
Vinícius Silva é poeta, escritor e professor, não necessariamente nesta mesma ordem. Doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, cientista social e mestre em sociologia e antropologia formado também pela UFRJ. Foi professor da UFJF, da FAEDUC (Faculdade de Duque de Caxias), da Rede Estadual do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e atualmente é professor efetivo em sociologia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Criou e administra o Blog PALAVRAS SOBRE QUALQUER COISA desde 2007, e em 2011 lançou o livro de mesmo nome pela Editora Multifoco. Possui o espaço literário "Palavras, Películas e Cidades" na plataforma Obvious Lounge. Já trabalhou em projetos de garantia de direitos humanos em ONG's como ISER, Instituto Promundo e Projeto Legal. Nascido em Nova Iguaçu, criado em Mesquita, morador de Belford Roxo. Lançou em 2015, pela Editora Kazuá, seu segundo livro de poesias: (in)contidos. Defensor e crítico do território conhecido como Baixada Fluminense.
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