Maré - Adriana Calcanhotto
Sony & BMG (2008)
Produtores: Arto Lindsay e Adriana Calcanhotto
Talvez Adriana seja a artista, na atualidade, que melhor se utilize de referências a outros artistas e a outras artes dentro da música popular brasileira. A obra de Hélio Oiticica, os quadros de Frida Khalo, os filmes de Almodóvar, as palavras de Fernando Pessoa, os poemas de Ferreira Gullar, o tropicalismo de Caetano, o concretismo dos irmãos Campos, a Jovem Guarda e alguns outros. Todos esses "elementos" estão presente não só como referências na obra da cantora e compositora, mas fazem parte de suas canções, são citados e descritos. A cantora gaúcha consegue reunir com elegância e com rara articulação a reconhecida arte da "elite" com uma linguagem popular. Quando reproduz essas referências, e citações, com suas próprias idéias e conceitos, Adriana consegue, com proeza, uma singularidade musical ímpar.
Após um bom tempo sem lançar um álbum de inéditas, o último tinha sido o bom "Cantada" (2002), e depois do sucesso popular com o projeto "Partimpim" (2004), Calcanhotto retorna com Maré, e mostrou que não perdeu a velha forma e fórmula de unir bom gosto e música popular (se é que é necessária uma separação entre os termos... a questão é que em determinados momentos não há saída, o bom gosto se afasta, e muito, da música popular), e quase sempre misturando-os com categoria.
Vamos ao disco:
O álbum abre com a canção-título Maré (Moreno Veloso/Adriana Calcanhotto), canção estilo bossa-nova onde o mar se dá como elemento fundamental, particular e composto. Interessante é perceber como Adriana canta de uma maneira que se aproxima com o jeito malemolente que o estilo consagrou. A compositora continua a parceria com o filho mais velho de Caetano e seu violoncelo, parceria iniciada em Cantada. Temos em Seu pensamento (Dé Palmeira/Adriana Calcanhotto) a primeira canção-parceria registrada em estúdio entre os dois, a canção é uma linda e esvoaçante balada, com letra chiclete. Depois temos Três (Marina Lima/Antonio Cícero) com uma pegada tango/pop já experimentada anteriormente por Adriana, esta canção entra para a lista das radiofônicas. O toque mais pop do disco segue com a canção engraçadinha Porto Alegre (Péricles Cavalcanti), de um dos compositores mais presentes em seus últimos trabalhos. Depois temos o ponto alto do álbum: Mulher sem razão (Dé Palmeira/Bebel Gilberto/Cazuza), música e letra incríveis e com enorme apelo e pegada pop, uma delícia, não é à toa que já está na trilha sonora de uma novela da Globo. Já ouvi a versão do Cazuza e a feita por Calcanhotto é imensamente superior, o que não tira o mérito da letra esperta do poeta/letrista carioca.
A "segunda" parte do disco revela as já comentadas referências de outras "artes", tão presentes na concepção musical da gaúcha. Teu nome mais secreto (Adriana Calcanhotto/Wally Salomão) é a última canção feita e gravada pelos dois e que foi registrada após a morte do poeta. Letra com cara de Wally e que fala do amor (e do sexo) com a eloquência e forma características de Salomão. Sem saída (Cid Campos/Augusto de Campos) é a canção-síntese da influência do concretismo e do neoconcretismo (mais especificamente com Gullar e Arnaldo Antunes) nas referências poéticas de Adriana, arranjo lindo e etéreo. Para lá (Adriana Calconhotto/Arnaldo Antunes) é a continuação da proposta do poema concreto, mas em cores modernas e sem perder a qualidade. As sempre interessantes palavras de Arnaldo dão o ar da graça, com o acréscimo de uma melodia graciosa de Calconhotto.
Um dia desses (Kassin/Torquato Neto) é uma inusitada parceria entre produtor e músico carioca e o poeta "maldito". Onde andarás (Caetano Veloso/Ferreira Gullar) é um lindo bolero cantado e interpretado com maestria por Adriana. Por fim temos mais uma homenagem a Dorival Cayammi, Sargaço mar (Dorival Caymmi), já que em Marítimo (1998) também havia uma canção do compositor bahiano (Quem vem pra beira do mar). Realmente não dá para pensar em mar e música popular brasileira sem pensar em Caymmi. Esta última canção (Sargaço mar) é interpretada de maneira singela e simples, em um take ao vivo, somente com o acompanhamento do violão de Gilberto Gil, uma lindura.
Bom, como este blog é meuzinho e entre meus pitacos musicais e artísticos, em geral, tem muito das minhas referências e preferências, decidi criar na secção Acordes a(s) melhor(es) e a(s) pior(es) faixa(s). Isso não significa que o meu gosto define se aquela canção ou arranjo são ruins ou maravilhosos, mas aponta somente as faixas que se encaixam mais aos meus parâmetros sensoriais e afetivos. Então vamos ao começo (ou ao final?).
Melhor faixa: Mulher sem razão.
Pior faixa: Um dia desses.
Ah, melhor ainda do que ler minhas impressões sobre as canções, é ouvir da própria Adriana o que ela pensa sobre as faixas. É só acessar o site dela e clicar nas faixas do Maré.
http://www.adrianacalcanhotto.com/mare/index.html
Besos.