Editora Globo - 1967
Atualmente Érico Veríssimo é mais conhecido como o pai do escritor, cronista e músico Luis Fernando Veríssimo. Porém Érico foi um importante escritor brasileiro do século XX, criando obras de relevância na literatura nacional, como "Incidente em Antares" e a trilogia "O Tempo e o Vento".
Este livro que iremos resenhar é o penúltimo romance de sua vida, anterior a "Incidente em Antares". Érico residiu muitos anos nos Estados Unidos e vivenciou as consequências da Guerra do Vietnã, tanto para a vida social e política daquele país, quanto para o mundo político naquele momento histórico.
"O Prisioneiro" nasceu de seu espanto pelas atrocidades da guerra. O livro foi lançado em 1967 e reflete os acontecimentos tão marcantes à época. Nos comentários iniciais menciona a dor que o fez escrevê-lo e admite que o romance seria sua contribuição, como arte, para seus filhos, netos e talvez para o mundo. Também afirma que seu grito em forma de ficção não teria a capacidade de mudar os rumos da guerra, mas seria a melhor forma para contribuir para o seu fim, e ele tinha razão, falar sobre o sofrimento nos faz refletir sobre ele.
O livro tem um estilo literário formal, talvez reflexo da postura profissional e da seriedade do autor, talvez pela severidade com o qual o tema foi abordado. É narrado em terceira pessoa e relata a vida de 3 soldados americanos em solo vietnamita. Interessante notar que em nenhum momento o autor refere-se ou nomeia países, capitais, bandeiras, mas sua descrição é tão precisa e seu debate é tão conhecido que não seria necessário nomes para saber se localizar na história.
As histórias desses 3 combatentes se entrelaçam mostrando os horrores da guerra, a geografia inóspida para os "salvadores" da liberdade, a teocracia democrática norte-americana, a resistência cruel e selvagem dos vietcongues. Porém não há tomada de posição do narrador, não há bandeira a ser defendida ou ideologia a ser ressaltada. O romance relata que na guerra todas as questões políticas quase sempre desaparecem, são minimizadas, diminuidas, tornadas superficiais, e que os homens se igualam, se tornam parecidos, mas não em suas virtudes, o que ocorre é a semelhança pelo terror, pela barbárie. Os humanos são mais humanos enquanto praticam atos desumanos, animalescos, a diferença cultural e política torna-se pretexto para que voltemos às nossas origens mais canhestras.
Não há superficialidade no romance, os debates e discussões ideológicas estão lá, convivendo com as personagens, vindo à tona e fazendo que o embate entre política e sobrevivência torne a guerra muito mais sofrida. O imperialismo, o colonialismo, a miséria, a dependência econômica, a subserviência política, as lutas de autoriade, todas essas representações e materialidades estão misturadas e localizadas, representando o âmago da guerra, sua causa e efeito. O mais interessante é que o autor esmiuça o sofrimento íntimo e revela na descrição das estruturas psicológicas das personagens, a teia social e cultural que aquela miscelânea de povos está embebida. O preconceito racial americano misturado com o orgulho e a honra à pátria, a intolerância religiosa de ambos os lados, as muitas "luxúrias", representadas pela exploração sexual. A corrupção, o medo, a morte, a tortura, e todos esses sentimentos e ações como escudos e armas na batalha pela... liberdade.
Érico aponta essa contradição e demonstra que não há modelo político ou governo que possa justificar a guerra. Diz que nesses combates todos perdem e que todos os homens se tornam menos humanos nesse laboratório de maldades. Esta obra foi escrita com o sentimento e sofrimento decorrentes de um desencanto com os humanos e com as instituições que os representam. Porém ninguém escreveria este romance sem um mínimo de esperança, sem a fé de que seus netos viveriam em um mundo melhor, e apesar de todo terror narrado, essa esperança resiste e persiste, depositada nas palavras da personagem de uma sofrida professora. Talvez essas palavras fossem a demonstração de que somente uma educação ética poderia transformar o mundo das guerras.
Érico Veríssimo morreu de infarto em 1975. Viveu o suficiente para morrer com a última grande guerra que presenciou.
Nós?
Nós ainda temos muitas para tentar evitar.
Bons livros.
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